Fazemos coisas ainda mais desrespeitosas ao milagre do sabor em nossa boca. Fragmentamos nossa atenção entre mil coisas ao mesmo tempo. Vemos televisão junto, conversamos junto, olhamos no celular junto e pensamos na morte da bezerra junto. O sabor fica lá no fundo, soterrado embaixo de tudo isso, com uma potência muito menor por não darmos a devida atenção. O sabor que normalmente é um berro supersônico, vira uma vozinha rouca e inaudível… E aí, é claro, precisamos de muito mais, terminamos a refeição já famintos…
Uma mágica boba, mas interessante vai ocorrer. Se você diminuiu drasticamente a velocidade com que come, passou a largar o garfo para se concentrar totalmente no que está na boca e não no mais a se pegar no prato, passou a trazer à boca um pedaço muito menor do que antes, preenchendo apenas um quinto da colher/garfo e desligou a TV… Aí você vai olhar para um prato muito cheio e pensar: pelo amor de Deus, vou levar horas para terminar isso. A mesma quantidade que antes você olhava e pensava: vou terminar logo pra poder repetir…
Repetindo: sua percepção da porção no prato está diretamente ligada ao jeito que você come. O jeito que você come está profundamente ligado aos seus ritmos e sua capacidade mental de se concentrar no que faz. Tempo e espaço são medidas internas, partem de nós…
A ansiedade com que fazemos as coisas hoje em dia faz tudo parecer pouco. Os pratos aumentaram, os copos aumentaram… Enchemos tudo com todos os tipos de alimento, pois a variedade também aumentou muito. Mas a fome também aumentou e a saciedade diminuiu. Como pode?
O país mais rico do planeta, os Estados Unidos, tem um problema enorme de obesidade. Pensem nos termos “fastfood” e “time is money” e vocês entenderão bem da onde vem o problema.
Estamos sempre tentando regimes que tem como meta restrição de calorias… Mas o modo que é feito é errado. Não é só quanto e o que comer, mas como… Não esquecer da relação tempo e espaço é fundamental.
Parece óbvio e meio besta falar uma coisa dessas, mas a coisa é mágica. A velocidade e percepção de tempo faz as pessoas ficarem mais gordas e continuar com fome. A pressa é inimiga da perfeição. A pressa é inimiga de uma boa alimentação. A pressa é uma má interpretação da vida. Existe uma perpétua sensação de duas coisas: de que algo ruim está para acontecer e de que poderíamos estar curtindo mais a vida naquele momento. Coma como se nada mais existisse antes ou depois. Como se todas as contas estivessem pagas e o que você mais queria no mundo era justamente estar ali comendo.
Só existe essa refeição nesse momento. É um privilégio enorme sentir esse sabor único…
Pode parecer bobo e estraga prazeres demais, mas comece a marcar quanto tempo você demora para comer normalmente. Fiquei besta nas primeiras vezes que marquei. Eu devorava minha refeição em menos de cinco minutos… Achei absurdo. Muitas vezes em dois minutos. Um almoço ou um jantar ser só isso? De dois a cinco minutos?
Comecei a traçar metas de não terminar meu prato em menos de dez minutos. Depois vinte. E fez muita diferença no meu peso, na minha satisfação com comida e outras abrangências muito interessantes, pois a coisa vaza para todos os setores da vida.
Claro, eu sou o primeiro a dizer que adoro comer com os amigos, vendo séries de TV, pensando em bobagem, com o sabor meio perdido no meio disso tudo… E ainda confesso que muitas vezes é gostoso preencher a boca com uma colherada cheinha de sorvete e não a chatice do “só um quinto”… Ok, não precisa parar de fazer isso para sempre. Faça tudo isso recomendado aqui em algumas das refeições do dia, separe algumas ou ao menos uma delas para isso. Você se alimentará bem mais com bem menos, essa é a mágica.
Tempo e gordura, gordura e tempo… Espaço/tempo.
Comer é um ritual bonito, ou melhor, pode ser um ritual bonito se você lhe der a devida reverência. E de quebra você se alimentará num nível muito mais profundo, com bem menos. A coisa do emagrecer é a menos relevante aqui, mas obviamente vai acontecer, fazendo com que seu corpo tenha mais energia disponível e não perdendo a toa tendo que digerir quantidades desnecessárias de alimento que você comeu porque é apressado e sem concentração.
Mudar o jeito de comer pode mudar sua vida por completo. Um ritmo mais lento indica ao cérebro que estamos mais satisfeitos, com mais confiança de que tudo está bem e que naquele momento não há absolutamente nada faltando. E como comer é uma das atividades que mais fazemos, fazer com consciência e consistentemente mais devagar terá um efeito em todas as outra áreas da vida. Além disso, podemos, enquanto nutrimos o corpo, nutrir uma sensação de bem estar, ao mesmo tempo. A falta de pressa vai junto com o alimento goela a baixo e realmente alimenta num nível muito mais profundo.
Poderíamos batizar esse regime de “regime zen”. Ou talvez “regime da devoção”. Mas prefiro “regime do tempo”. Diminua a pressa e aumente a satisfação.
Vamos comer?
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