Ir para Índia foi sempre um sonho e ao mesmo tempo um grande medo. O sentimento contraditório – agora vejo assim – parece um espelho que reflete o próprio caminho espiritual: quero confiar absolutamente na vida e me deixar ir, mas quero que alguém me garanta que tudo estará bem… Bom, um pensamento anula o outro… As histórias maravilhosas de mestres iluminados e a sabedoria milenar vinda da mágica Índia, se contrapunham a relatos de pobreza, de diarréias e multidão, de gente que quis voltar no mesmo dia que chegou lá. Coube a árdua tarefa de “garantir que tudo estaria bem” ao lindo casal Gabi e Amedeo (que organizaram o grupo para ir) , que muito mais corajosos que eu, já tinham desbravado o país há muito tempo. O modo apaixonado e inspirador com que me descreveram a viagem que faríamos, ainda que com algumas ressalvas para que ninguém se assustasse demais por lá, fez com decidíssemos – eu e minha mulher – a finalmente ir, depois de tantos anos de vontade, mas falta de iniciativa.
E o que dizer após 30 dias por lá? Sim, estavam lá os mendigos, a confusão, o lixo espalhado, as buzinas infernais por todo lado… Mas como explicar que no meio de tudo isso me senti feliz, em paz e seguro? E aí está o grande mistério… Existe uma Índia sobreposta à Índia visível… Infelizmente você não vai poder tirar fotos para poder mostrar aos amigos e o que é pior, não vai conseguir fazê-los sentir o que você sentiu pra provar que ela existe. Não é todo mundo que visita essa Índia e é por isso que os relatos são tão desencontrados. Não é o avião nem o trem que vai te levar até lá, mas sua maturidade espiritual ou uma inocência que permite ir além dos pré-julgamentos da razão para só simplesmente sentir. Quem não achou passagem para esse lugar vai rir, dizendo que é fantasia ou poesia da sua cabeça para enfeitar a viagem. Mas essa Índia é muito mais real que a superficial que só se apresenta aos cinco sentidos. E por ressonância, ela faz vibrar dentro de você um lugar equivalente, que é o seu eu verdadeiro, ou país de origem, sua casa, livre do pensamento caótico, suas buzinas internas. E é por isso que nos sentimos tão em casa na Índia, matando uma saudade que – no meu caso – não podia ser saudade porque eu nunca havia estado lá… Mas era isso que eu sentia o tempo todo, me reencontrando com algo amado e há muito esquecido.
Seus amigos no Brasil vão te olhar com uma cara de tédio infinito quando você disser que sentiu uma paz imensa, que mergulhou num silêncio maravilhoso… Coisas abstratas demais ou que parecem clichês new age de hippies bobinhos. Aí você mostra as fotos dos lindos templos, das mulheres com sáris coloridos, de certas bizarrices que ocorrem nas ruas… Tudo para substancializar mais a viagem e ganhar a atenção deles de volta… Mas não é nada disso, apesar de ser isso também. Para te agradar vão dizer “que legal essas fotos”, mas na cara deles vai estar estampado: “por que você não foi pra Europa com essa grana?”. Mas você não vai ligar muito não. Em nenhuma outra volta de uma viagem a opinião dos outros pareceu tão desimportante e insignificante. Nunca pareceu tão pouco relevante provar que você se divertiu e que valeu a pena. Tenho vontade de contar o que vivi por lá apenas a algumas pessoas, as que podem entender . Para outras logo desconverso e falo apenas que foi “interessante”, “muito doido” .
Na ida e na volta ouvi coisas do tipo: a Índia? “Acho que é o último lugar que eu iria na vida”. Mas está tudo certo… Eu dou risada por dentro como quem descobriu um tesouro que não é para todo mundo, mas que tem certeza que é infinitamente valioso.
As pessoas detonam a Índia como país sujo, pobre e fedido, e descrêem de seus mestres porque se o que fazem fosse bom, seria um país rico e sem injustiças. Em primeiro lugar, é uma parte bem pequena dos indianos que realmente entendem o que grandes mestres querem dizer. Apesar de extremamente religiosos, a maioria ainda está nas trevas em relação ao ego e ao verdadeiro propósito dos rituais que praticam. Não é porque a Inglaterra nos deu escritores e cientistas maravilhosos, que todo inglês que você encontra na rua vai ser um mestre das letras e da física. Mas que tem uma fonte de sabedoria vinda de lá, é claro que tem… O mesmo na Índia. Nada tira deles que os livros místicos mais sábios escritos pela humanidade, os Vedas, vem de lá, e rastros dessa sabedoria milenar estão por todos os cantos.
Em segundo lugar, o que a Índia mais deixa claro, sua mensagem para o mundo, é que a vida interna é muito importante, no mínimo tão importante quanto a externa. O ocidental hoje, em sua maioria, considera que a vida na Terra, material, é a única que existe e nada mais importa. Ser um grande profissional, um vencedor, ter um carro do ano, fama, um Facebook forrado de fotos de viagens e festas e etc., são sinônimos de verdadeira felicidade . Se nossa limpeza, tralhas eletrônicas, faculdades, empregos e obstinação em subir na vida fosse tão bom assim, não veríamos tanta gente deprimida, raivosa e perdida.
Mas gosto dos dois lados do mundo, acho que formam algo semelhante a um único cérebro onde um lado pende mais para o objetivo, a ação e o prático, e o outro hemisfério para o abstrato, místico, meditativo. Em outro artigo falarei mais sobre isso.
Talvez Deus tenha mantido o local mais místico desse planeta como também o mais caótico justamente para formar uma grandiosa metáfora de como o externo nada tem a ver com a paz interna. Se você quer fazer compras, vá para Miami. Se você quer ver uma cidade chiquérrima vá para Paris. Se você que ver praias bonitas, fique no Brasil. Mas se você quer uma viagem por dentro de você mesmo, ir para sua casa interna, vá para Índia… Lá tudo remete ao poder que você tem de encontrar a felicidade e o silêncio dentro de você e não fora. Mas, além de tudo, a Índia também é fisicamente linda em muitos pontos, saborosa em muitas comidas e fascinante de passear se você quiser ser apenas um turista. Mas deixar de ser um turista de si mesmo é o grande presente desse maravilhoso lugar.
Fiz a viagem de volta ao Brasil vestindo uma camiseta que tinha a bandeira da Índia estampada. Fiz questão por gratidão e por vontade de trazê-la comigo de alguma forma. A vontade de retornar é grande, mas mesmo que isso nunca mais aconteça, entendo que aquela parte invisível dela estará acessível em todos os lugares que eu estiver. E além de tudo, não é uma viagem que vai ficar na memória, mas sim como uma presença física permanente, como alguém que ganhou um novo par de braços, se metamorfoseando em algo mais perto de um Shiva do que do ratinho assustado de outrora. Eu realmente não sou mais a mesma pessoa…
Nada relatado aqui é exagero, mas sim capenga no tentar explicar o que foi essa viagem.
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