A mente: mentiras e fantasmas sem fim

Uma casa mal assombrada

Quase 100% do tempo as pessoas são esquizofrênicas. Você inclusive. Pode parecer absurdo afirmar isso, mas talvez no final desse texto você concorde comigo e encomende de bom grado uma camisa de força no hospício mais próximo.

                Digo que as pessoas são “esquizofrênicas” no sentido de viverem entremeadas e respondendo à coisas que não estão presentes, nem nunca estarão.

                É fácil rir do louco que conversa com alguém que não está ali ou reage de maneira bizarra em situações corriqueiras, vendo “dragões em moinhos de vento”. Mas se analisarmos bem a fundo o que ocorre conosco, fazendo um paralelo bem cuidadoso e perspicaz entre a realidade a nossa volta comparada à de nossa mente, enxergaremos claramente o louco babando dentro de nós, totalmente alheio ao mundo real, entretido com fantasmas que só ele vê.

                O verdadeiro louco não sabe que é louco…

                Nossa cabecinha: um cubículo terrivelmente assombrado onde passamos nossos dias… Vamos tentar abrir ao menos uma fresta para ver mais… Deixar os sol entrar para enxergar o que tem a nossa volta realmente. “Aquela cobra assustadora era uma corda no chão…”

                Estamos tão acostumados a nossos pensamentos que julgamos que são nossa parte mais íntima, aquilo que mais somos em essência, nossa individualidade, nossa identidade… Mais até que o corpo físico. Todo e qualquer texto escrito nesse site, de uma forma ou de outra, visa resgatar você dessa situação, dessa identificação irrestrita e absoluta que tem com a voz interna que não para de tagarelar.

                Essa voz ininterrupta dentro de você. Ela está sempre com algum assunto importantíssimo que precisa ser pensado, mesmo se você está comendo ou tentando dormir… E que assuntos são esses?

                 Esse texto não visa falar dessa coisa mais ampla de dominar a mente, de mostrar o valor de estar no aqui e agora com técnicas de concentração e meditação e como alcançar um silêncio interno maior. Não, o objetivo aqui é mais estatístico e perceptivo do que ocorre conosco. Quero apenas mostrar, como venho tentando mostrar arduamente para mim mesmo, o quanto aquilo que pensamos, na maior parte do tempo, é complemente nonsense, e como pautamos nossa vida nesse nonsense.

                Esse deus interno, a mente,  ao qual somos totalmente submissos, fala muita bobagem… É muita esquizofrenia junta! Vamos evidenciar algumas dessas bobagens.

                Pensamentos existem, mas não existem. Morrem mais rápido do que bolhas de sabão, não tem peso, apenas passam pela nossa atenção. Mas são responsáveis por tudo o que sentimos e por todas nossas decisões…

                Eu sei como você pensa porque eu faço igual… A maior parte daquilo que você entretém aí dentro da cabeça é mentira, não existe, nem nunca existirá. Como você se sente sabendo que 90% da sua vida será gasta reagindo e dando corda a coisas que não fazem nenhum sentido? Não é a toa que vivemos num mundo de tanta animosidade. As mentiras internas de um não condizem com as mentiras internas do outro… O choque é constante.  Citamos e cobramos muito “verdade e realidade”, mas quase nada sabemos sobre isso…

    Vamos lá… Tentar identificar mentiras comuns…

                Quantas vezes você achou que um certo alguém estava bravo com você e quando você chegou perto dessa pessoa ela diz que nem lembra do que você fez ou nem achou nada demais. Deus meu, você passou semanas achando uma coisa e não era verdade. Ruminou sobre ela mil vezes… Esse tipo de erro é corriqueiro, não? Muito mais do que você pensa, ou melhor, quase tudo o que você pensa…

                Quantas milhões de vezes você imaginou que iria chegar numa festa e as pessoas diriam como você estava jovem e bonita? Mas no dia é meio decepcionante, ninguém fala nada. Aquelas milhares de antecipações mentais eram só ilusão, promessas vazias.

                Mas e quando o elogio que você tanto queria acontece? Vamos analisar… Muitas vezes a pessoa elogia para te agradar. Em dois segundos a cabeça dela já está longe. Mas você vai carregar o elogio para casa e pior, vai lembrar e relembrar a cena e sentir-se bem (um fantasma, porque a cena já acabou e você a refaz com impulsos elétricos dentro da cabeça porque realidade virtual te satisfaz).  Na próxima festa você vai ter que estar à altura desse dia em que recebeu o elogio. Vai viver entre relembrar o fantasma do elogio e o fantasma do próximo elogio que virá. Você até já pensa como vai ser ainda melhor: “nossa, dessa vez você se superou” o dono do elogio vai dizer.

                 Gozamos as crenças ridículas que pessoas mais simples que nós têm, mas falhamos em perceber quantas baboseiras entretemos e louvamos diariamente. Quase tudo que passa em nossa cabeça é fantasmagoria, carente de sentido ou substância. Leva-se uma vida inteira assim, afundado em mentiras e em antecipações que jamais virão.

                Você imagina toda hora pessoas conhecidas dizendo: “nossa, como a Elisa é talentosa e boa pessoa” (vamos supor que seu nome é Elisa). Em momentos mais depressivos, você imagina coisa ruim: “nossa, como a Elisa está velha e sem amigos, como a vida dela é vazia”. Nos dois casos, você está viajando que estão te analisando. A pessoa pensa em você no máximo uma vez por mês. E vamos dizer que você acerta, um dia ela pensou realmente que você está velha, até exagerou na lembrança da profundidade de seus pés de galinha, injustamente, nem são tão profundos assim… Mas e daí? Estatisticamente, racionalmente falando, qual é a verdadeira consequência na sua vida desse pensamento de uma outra mente cheia de mentiras e lembranças sem nitidez? Na prática, qual é a lógica da sua preocupação com essa opinião? E isso ocupa sua mente de uma forma bizarra. O elogio e a ofensa só tem o peso que tem porque você sabe que sua cabeça vai dar importância e reprisar aquilo milhares de vezes, jogando com sua emoção. Mas são um nada ao vento que você cata e tenta substancializar para te dar recheio…

                Existem milhares de fantasmas desse tipo povoando sua cabeça. Eles falam coisas que não fazem sentido algum.

                Você briga mentalmente com os outros. A mente reproduz a voz dos outros e suas feições. Você fica com raiva.  E você assiste aquilo indefesa. Muitas vezes são reencenações de momentos que realmente ocorreram. Mas eu sei, porque também faço, que você cria brigas que nem aconteceram ou acontecerão. E mesmo as que foram reais, pra que que você repete aquilo centenas de vezes na cabeça? Vendo coisas que não estão ali como todo bom esquizofrênico… E o exagero com a importância daquilo? Uma baita de uma mentira essa importância toda. Aquele evento no mundo real teve uma duração total de 27 segundos. Mas com todas as reprises mentais que você fez, a coisa aumentou para 156 horas e trinta e oito minutos. Em cada repetição algum errinho de cópia, um exagero aqui um esquecimento ali e pronto, já virou um outro bicho bizarro que nunca existiu, mas que corrói seu tempo, sua atenção e sua presença.

                Você vê milhões de cenas mentais em que seus amigos louvam sua inteligência, beleza ou riqueza. Dá um prazerzinho idiota… E aí você se aplica mais na vida para conseguir isso: ser mais bonito, mais inteligente e mais rico, porque todo mundo vai te querer e pensar bem de você. A grande verdade, e tão fácil de verificar, é que os outros quase nunca pensam sobre você porque estão ocupados em suas próprias fantasias, seus mundinhos virtuais.

                Claro, existe um benefício imediato em ficar rico, ser um bom profissional etc e tal. Mas quase 100% das viagens mentais são pura fantasia. Sua mente irreal e cheia de fantasmas está preocupada em impressionar uma outra mente irreal e cheia de fantasmas. Você vai fantasiar em seu mundinho mental, as fantasias mentais que a outra pessoa tem sobre você. Observem a loucura ao quadrado que é isso. Fantasiar sobre as fantasias mentais de outra pessoa e ficar feliz ou triste com isso.

                É certeza absoluta que quase tudo o que você imaginou que os outros estão pensando sobre você nunca aconteceu ou não foi nem parecido com que você fantasiou. Te dou certeza disso. É pura viagem…

                Faça um teste. Observe com disciplina e atenção  o quanto você viaja durante o dia imaginando o que o outro imagina sobre você. Fantasmas e mais fantasmas. O quanto você viaja fazendo coisas que farão os outros pensar bem de você. Quantas vezes você se empenhou imaginando que o outro diria: nossa que bacana o que você fez, como você é talentosa e especial!

                Quando entra num lugar você já pira de que todos estão te achando uma ridícula ou linda de morrer…

                Quantos medos que nunca se concretizaram. Quantas alegrias antecipadas que se mostraram vazias na hora que chegaram. A cabeça mentiu dizendo que aquilo seria maravilhoso…

                 Estou tentando te mostrar quantos fantasmas moram aí dentro. Dá medo, mas também uma sensação de alívio. Quando olhamos de frente, esses fantasmas somem, porque não tem substância alguma.

                Os cientistas deram um nome para isso que fazemos: teoria da mente. É uma “teoria” porque não há comprovação alguma, você apenas tenta adivinhar o que se passa na mente do outro, porque não tem acesso direto. A vantagem evolutiva disso é que como predador ou presa, você pode adivinhar a intenção do outro para ter êxito em ou atacar ou fugir. É óbvio que quem faz isso bem, se dá bem.

                O problema é que no ser humano virou uma coisa em si, sem utilidade prática alguma. Uma infinita obsessão.

Além de mentiras atrás de mentiras, a mente repete as coisas à exaustão. Aquela mania de relembrar um momento triste da sua vida é o mesmo processo involuntário daquela música irritante que fica sendo repetida na sua cabeça sem que você consiga parar. É sua vontade ficar repetindo sem parar aquela melodia? Não, simplesmente acontece. Assim é aquele momento em que você xinga seu irmão pela milionésima vez dentro da sua cabeça, refazendo todas as frases depreciativas e todas as situações em que, segundo você, ele pisou na bola.

                Uma repetição mental de milhares de vezes do mesmo xingamento a determinada pessoa só pode significar uma coisa: esquizofrenia pura. Qual a utilidade de pensar aquilo de novo e de novo e de novo?  Você está comendo um doce ou passeando com seu cachorro e pensando: aquele desgraçado do meu irmão! Faz algum sentido isso? Isso é uma atitude lúcida ou útil?

                 Assombração, fantasmas… Demência!

                  O que mais dói não é tanto a falta de dinheiro, mas sim as trilhões de vezes que sua mente disse “você está sem dinheiro”, “você vai ficar sem dinheiro”, “você não consegue ganhar dinheiro”, “seus amigos têm mais dinheiro”. Reprisamos nosso fracasso num teatro ilusório permanente e na platéia estão todas as pessoas que damos importância, rindo de você ou te louvando. O fantasma sempre inexistente delas, entretidas que estão com seus próprios teatros mentais.

                A derradeira desgraça não está no que é pensado, mas na certeza de que “eu pensei”. Depois de horas de tormento de um temporal de afirmações terríveis, “você” decreta: eu quero morrer”. Coloquei “você” entre aspas porque é essa percepção que vai nos salvar: quem exatamente decretou isso? Esse “eu” dito dentro da sua cabeça: “”eu” quero morrer”, “”eu” preciso descansar”, “”eu” não aguento mais” faz com que você o aceite passivamente e de imediato. Sim, fui eu quem pensou isso. Parece conversa de maluco, mas a maluquice é aceitar que essa frase é sua só porque ocorreu dentro da sua cabeça, aceitar que todas essas milhões de frases que brotam do nada em sua mente são de sua autoria. Existe um “eu” mais profundo que não é o autor disso tudo, que apenas observa e tem o arbítrio de desassociar-se . Quanto mais praticar, mais você vai questionar um pensamento, principalmente os que vierem com “eu” na frente. Imediatamente questione assim como você questiona um vendedor picareta ou um crente abobado na rua pregando algo bizarro. Seja absurdamente cético e herege com seus pensamentos… Principalmente os que trouxerem “eu ” na frente…

                Muitas vezes penso “eu estou triste”. E quase que imediatamente respondo: “tô nada, quem que disse isso?”. E funciona… É incrível poder comprovar que era só um pensamento e que um questionamento e uma  confrontação o faz sumir. Uma mentira.

                Você está possuído por vozes como todo bom esquizofrênico. Talvez não sejam vozes clamando coisas tão pitorescas como a dos mais loucos, mas são sim vozes mentirosas e não originadas do “eu”, fantasmas que querem sua atenção e sua ação.

                Você julga todo mundo o tempo todo com uma riqueza de adjetivos pejorativos imensa e uma escassez de fatos concretos infinita. Você não tem condição alguma de saber se algo ocorreu da maneira que você imagina. Como reunir todos os fatores essenciais para chegar num veredito? Não dá. Mas isso não impede sua cabeça de pensar e repensar situações que você inventa que foram daquela maneira. Mais fantasmas…

                O pensamento é incrivelmente irreal, sem cabimento e muito raramente verdadeiro. Poucas considerações feitas pela minha mente, nesses 47 anos de vida que tenho, foram necessárias, substanciais ou verdadeiras. Serviram em conjunto para mostrar o quanto são fantasmagoria e fumaça.

                Infelizmente, parece que só a idade vai trazer a percepção da grandeza da mentira que ocorre em nossas mentes. Só olhando para traz e com uma amostragem em dados de anos é que poderemos enxergar o quanto nossa mente errou e o quanto ela ocupou nossa vida de forma bizarra e ineficaz. O problema é que nem com anos e anos de erros, as pessoas aprendem que estão sendo vítimas de um charlatão.

                A lucidez ocorre muitas vezes durante o dia, principalmente diante de tarefas práticas que precisamos executar, como levar os filhos à escola, fazer os cálculos do mês ou terminar um trabalho na empresa. Isso tudo são verdades verificáveis e tarefas reais com que a mente se ocupa.  Ainda sim, esses momentos breves de presença, são acompanhados por fantasmas que tentam ganhar nossa atenção a todo custo: você os vê no banho, no carro, durante o sexo e até durante o futebol e a novela que é sua hora sagrada para dar um tempo e descansar mentalmente.

                Por isso o termo “são” para os santos, que nada mais é do que sanidade, é curar-se da esquizofrenia.  A aura dourada em torno da cabeça simboliza a imunidade total às mentiras da mente. Iluminar-se é por uma luz em todos esses fantasmas e ver que simplesmente não existem.

                Daqui a pouco sua mente vai começar a mentir. Minha esperança é que você desconfie muito mais.

                E ainda existe o caminho contrário. O que venho dizendo aqui é que dar atenção e aceitar esses pensamentos mentirosos, causa uma reação emocional. Te dá raiva, medo, alegria etc. Mas muitas meses é o contrário. Você está com um desequilíbrio hormonal, ou dormiu mal uma noite, e aí tudo fica irritante. Você pensa naquela pessoa e te dá raiva, pensa em outra e te dá raiva… Ou seja, são mais mentiras. Devido a uma sensação física ruim, sua análise das situações e pessoas muda, fica mais negra. Onde está a verdadeira medida das coisas? Sua mente está mentindo porque está de mau humor… Só isso. Mas você vai responder à esses pensamentos como se fossem verdade absoluta. Isso é esquizofrênico ou não é? Um mal estar físico acarreta uma mega distorção da realidade. E a porcentagem de gente com dores crônicas e desequilíbrios químicos é incrível… A cabeça deles é pródiga em cultuar pensamentos absurdamente irreais.

                Vemos tudo com outros olhos simplesmente por um fenômeno químico-orgânico. A frágil estrutura de nossa interpretação, de nossos pensamentos. Mais mentiras. Quem é que vai pagar o pato por sua noite mal dormida?

                Outra mentira muito grande é a da escassez, que os gurus do marketing exploram sem misericórdia. Tudo na vida que parece mais difícil de conseguir, brilha mais, fica ainda mais desejável. Os vendedores sabem disso e inventam pra você que só tem mais uma vaga naquele curso idiota…

                Ninguém é mais apaixonado do que o cara que não pode ter certa mulher… A dificuldade gera um falso mistério, uma falsa grandeza que aquela pessoa amada não tem. Mais mentiras. Assim são aqueles itens de consumo . O que uma bolsa de 3 mil reais pode te trazer de verdadeiro? A não ser as bobagens mentais que você agrega a ela com ajuda dos marqueteiros? Foi você realmente quem desejou essa bolsa? Não foi uma mentira-promessa de prazer que jamais se cumprirá?

                É muito mais fácil apaixonar-se por quem você vê pouco ou conhece mal. Sua mente vai completar as lacunas com coisas fabulosas que ninguém real atinge. E você vai imaginar todas as outras mulheres te invejando com aquele gato, e como vocês serão felizes para sempre.

                 Uma grande pilha de bobagens sem fundamento. Você criou deuses e monstros, se viu como herói ou vítima e ninguém notou, ocupados que estão com suas mitologias pessoais.

                Milhares de outros tipos de mentiras mentais existem e ficaríamos meses aqui citando todas. Mas quando a ficha cai, começamos a notar mais e mais quanta besteira ocorre na nossa mitônoma mente. Desassociar-se é fundamental para iniciarmos nosso processo de cura, de busca pelo real. A verdade vos libertará…

                E aí? O que você vai pensar logo depois que acabar esse texto é verdade?

A maior parte daquilo que você entretém aí dentro da cabeça é mentira, não existe, nem nunca existirá. Como você se sente sabendo que 90% da sua vida será gasta reagindo e dando corda a coisas que não fazem nenhum sentido?