Vivarium é um filme esquisitíssimo e ao mesmo tempo incrivelmente “familiar”. Coloquei familiar entre aspas porque aqui a palavra vai adquirir um sentido nefasto e terrível.

A história começa com um casal de jovens que procura uma casa nova para morar, iniciar a vida juntos. Grande novidade!

Entram numa imobiliária cheia de fotos e maquetes de um tal condomínio que parece ser ideal: seguro, limpo e organizado. Não é grande coisa, mas é o que podem pagar. Aquelas fotos típicas de família feliz com filhos e sorrisos enormes adornam as propagandas. O corretor insiste em levá-los para conhecer.

Entram em seu carro e vão seguindo o do homem até chegarem no tal condomínio. Após conhecerem a casa por dentro, uma sucessão de eventos bizarros vão se desenrolando até que eles não acham mais o corretor. Decidem ir embora… Para o horror deles, após centenas de voltas com o carro, eles sempre vão parar no mesmo lugar, na frente da tal casa. Não importa o quanto tentem, voltam de onde saíram. O dia já vira noite e a gasolina acaba. Decidem dormir na casa, não há outra coisa a se fazer.

Aqui já começa a se erguer a macabra metáfora do filme. Não há escolha, não dá para fugir do destino. A casa já estava pronta para recebê-los. Já estava tudo traçado.

E os dias vão se passando… Não conseguem ir para lugar algum. Sem saber como foi parar ali, de repente acham uma caixa de papelão na frente da casa. Ao abrir a caixa o que acham dentro? Um bebê…

Apesar desses acontecimentos serem non sense, começamos a entender que estamos ali vendo o non sense da própria vida. É o destino inexorável, o papel que somos obrigados a cumprir. Nossa vida real é mais bem elaborada em termo de artifícios para nos iludir e não percebermos a fraude. No filme, o esquema está cru, exposto em ser só que é.

O filósofo Sam Harris diz que temos a sensação de livre arbítrio, mas a verdade é que nada é decidido por nós. A sensação de ser agente de nosso destino é um importante recurso da natureza para nos manipular. Que bacana ouvir isso!

Estamos condenados a formar uma família. Por isso escrevi no início que o filme é terrivelmente familiar. Ele usa as coisas mais banais e corriqueiras da vida para revelar seu lado negro. As coisas mais comuns da vida se bem analisadas são absurdas.

O título do filme “Vivarium”, ou viveiro em português, ergue um maldoso sarcasmo de que somos apenas como mudas plantadas num viveiro para que então produzam sementes e outras mudas e outras sementes… O ciclo infinito sem sentido ou finalidade alguma.

Quando o marido sobe no telhado para poder entender melhor onde estão, vê que no horizonte sem fim só existem essas casinhas iguais, com suas famílias iguais, produzindo filhos que terão filhos que terão filhos… Viveiros, viveiros…

Um universo frio e indiferente

Um universo frio e indiferente

Tudo isso remete ao livro mais importante de Richard Dawkins, “O Gene Egoísta” . Depois de Darwin (sobrenome até parecido nos dois), Richard é o mais importante expoente da teoria da evolução. Seu livro chega a terrível conclusão de que somos apenas um veículo para os genes se replicarem e se perpetuarem.    O ser humano é o meio por onde um DNA cria outro DNA, ou seja, somos apenas o viveiro. E é preciso passar logo o gene para frente, pois o hospedeiro morrerá em breve. “Façam esses humanos se relacionarem”.

Toda a linda extravagância e sofisticação que chamamos de amor, tesão, sedução e anseio de formar uma família, não passa de uma manipulação dos genes. Toda essa poesia e livre arbítrio é na verdade é apenas um mecanismo egoísta da natureza. A biologia explica  – por exemplo -que o gosto dos homens por mulheres magras é devido a serem melhor receptá-los para o novo saco de genes, mais conhecido como bebê.

Aque ele observa a vastidão do viveiro, enxerga que não há nada de especial sobre ele, sobre sua esposa e seu filho. Não é uma vida escolhida, mas um imperativo da natureza.

O marionetista tem preocupação zero com os sentimentos das marionetes (onde o marionetista é o protetor metafórico do interesse dos genes, e nós somos as marionetes). E nesse esquema de coisas, o marionetista é apenas uma força inconsciente que ao acaso de forma randômica foi criando o mundo.

Outros pontos sinistros sobre a vida são salientados no relacionamento com o bebê/filho que acham na caixa. Quando ele já é um menino, eles olham para aquela criatura com horror. De repente aquele ser ali é um monstro que manda neles o tempo todo, que quer coisas a toda hora. Não tem nada da pureza que imaginaram que teria. Que pai que um dia secretamente já não sentiu isso? Tenho que ficar como um escravo dessa criaturinha odiável.

O tempo também entra como mais um fator inexorável e terrível da vida. Os casais assistem aquelas propagandas de margarina e as crianças são adoráveis. É uma coisa tão desejável… E quando conseguem formar sua própria família, parece que vai ser para sempre. Mas de repente a criança adorável deles vira um homem chato e problemático. No filme esse de repente é exagerado. De um dia para o outro a criança vira um adulto. Mas não é exatamente assim que os pais se sentem?. O tempo passa rápido demais. Esse adolescente chato matou meu filho… Esse homem chato matou meu adolescente… A família feliz igual da propaganda – se conseguirmos – é um instante que passa tão rápido! Uma das maiores fontes de depressão nas pessoas é o momento em que os filhos saem de casa. Aquela família de filhos que são criança agora é só uma foto.

A morte do marido do casal que acontece perto do final é brutal. Sentimos toda a indiferença do universo. Nossa descartabilidade. Ele passa o filme todo cavando um buraco para tentar escapar dali, mas no fim, o buraco era para seu próprio cadáver.

Agora você se pergunta: como pode um site que se diz espiritual estar levando em conta uma visão de mundo assim? E a alma, a sabedoria de Deus, os propósitos divinos etc.?

Vou fazer duas considerações, que são basicamente as linhas de condução desse site.

Temos uma incrível capacidade de usar aquilo que em cinema é chamado de “suspension of disbelief”, ou “suspensão da incredulidade”. Podemos vivenciar um filme acreditando próvisoriamente em seus alicerces, nas leis de seu mundo. Se não fizermos

Tudo bem que você pode não achar que a vida é só esse pesadelo apresentado no filme, mas “e se…” ? E se o mundo é assim? Viva essa sensação de que você é descartável e manipulado, que sua vida já está traçada e não significa absolutamente nada. É estranho, mas somos um tipo de animal que curte pesadelos breves. E somos capazes de abrigar dentro de nós crenças contrárias ao mesmo tempo. Somos contradições ambulantes. Por mais que você seja crente em Deus e que tem alma, tenho certeza que já desconfiou de tudo e isso e desejou nunca ter nascido.

Essa é a primeira consideração e riqueza de um filme assim.

A outra é lembrar que mesmo um ser divino como Buda, meio que corrobora de que essa vida que levamos não faz sentido. Lembrando rapidamente que o pai de Buda fez de tudo para que ele tivesse uma vida maravilhosa e escondeu dele os fatos mais óbvios da vida: a doença, a velhice e a morte. Quando Buda viu isso de perto, nas ruas, ele se perguntou: então para que tudo isso? Ele que tinha filho, esposa e uma vida plena, não viu mais sentido quando soube aquilo em breve deixaria de existir. Não faz sentido apostar nessa vida. Apegar-se a algo tão evanescente. Retirou-se do mundo e foi atrás de outra coisa que o salvasse disso. Que coisa besta todo esse trabalho para depois ficar velho, adoecer e morrer. E muitos vivem como se isso nunca fosse acontecer. Buda é um rebelde… Ele abandonou o viveiro.

Quadro  que mostra quando Buda viu pela vez a velhice, a doença e a morte 

Interessante apreciar que um monge, um yogi, alguém que abraçou a castidade e tornou-se celibatário é visto muitas vezes como um fraco, que não aproveita a vida. O sedutor cheio de mulheres é admirado como um alfa, um ser forte no topo da cadeia alimentar. Porém muito mais abusado e rebelde é o ato do míustico que se recusa a obedecer esses imperativos da natureza. O cara se acha o espertão com seu tesão e sua vontade permanente de sexo. Mal sabe que o prêmio do orgasmos e daquela sensação é apenas o peixe que se dá ao golfinho para fazer aquelas palhaçadas.

O primeiro ato de rebeldia da yoga é parar de se mexer. Algo totalmente absurdo para um corpo feito para o movimento, a não ser que perca a consciência e durma. Mas parar totalmente de se mexer e permanecer consciente é um ato revolucionário. É enfrentar a natureza de frente. Observar a mente e não mais considerá-la como “eu” é o outro passo na longa sucessão de atos que nos retiram da condição de ser apenas um saco de ossos, sangue e carne, manipulado por genes.

Aí existem aqueles loucos que não casam e não querem filhos… O DNA fracassou…  Há algo além.

Foto de Richard Dawkins com a camiseta “Religião – Juntos podemos encontrar a cura”. Sua visão é e que toda forma de misticismo é um atraso para a humanidade. Além de “O Gene Egoísta”, outro livro seu que chamou muito a atenção foi “Deus-Um Delírio” onde ele explica porque considera absurda a teoria de um design inteligente para o mundo e como não há traços de um criador, mas  apenas aleatoriedade. Não há uma sabedoria por detrás e é possível expicar como gases, estrelas, supernovas e etc. chegaram á vida.      

O marionetista tem preocupação zero com os sentimentos das marionetes (onde o marionetista é o protetor metafórico do interesse dos genes, e nós somos as marionetes). E nesse esquema de coisas, o marionetista é apenas uma força inconsciente que ao acaso de forma randômica foi criando o mundo.

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