Pão nosso de todos os dias

A arte do pão

O lindo e profundo simbolismo do pão

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche definiu inteligência como “um grande exército móvel de metáforas”. O que isso tem a ver com um artigo que vai falar de pão, poxa vida?  Uma coisa tão simples, singela, a mais simples e cotidiana de todas as coisas, nosso amado pão, vilipendiado assim pela grosseria de uma “filosofagem” fora de lugar e que ninguém pediu… Que péssima frase para abrir um texto em homenagem a ele… Você vai falar de pão, ô cara!!!

                Pois é, por que pão e a metáfora? Além de ser o alimento mais amado pelos humanos desse planeta – há séculos e séculos – o pão tornou-se um símbolo poderoso de muitas outras coisas, um verdadeiro exército de metáforas que explodem à partir dele.

                No “Pai Nosso” ouvimos: “O pão nosso de cada dia, nos dai hoje”… O que é essa frase senão um infinito contêiner para significados muito mais vastos e subjetivos do que simplesmente: “pai, me dá de comer faça o favor!”.  O pão passou a significar a vida, a vontade de viver, a luta diária, a não desistência, a infinita resiliência… E muito mais que isso, pois somos o bicho que não quer só sobreviver… Há de existir algo mais! Precisamos de croissant!

                   Não ouvimos no “Pai Nosso”: “A alface nossa de cada dia, nos dai hoje”… Ainda que talvez ela seja bem mais saudável e eficiente em nos dar energia. Eis aí a pista de que a metáfora é mais profunda…

                “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Mesmo que você seja um ateu convicto, pode analisar esse tipo de frase bíblica como algo que expõe uma vontade profunda de todo ser humano de que a vida não seja só sobreviver. Comer para manter o corpo, passar os genes para a frente e morrer… A necessidade de Deus é a necessidade de transcendência, de algo que não seja só acaso e meio para um fim prático. Não há ser humano que não almeje isso, que não complique poeticamente as coisas. As baratas são pragmáticas. Nós somos, para o bem ou para o mal, artistas… Sim, precisamos de alimento. Mas não só para o estômago, mas também para os olhos, para os ouvidos, para o paladar…

                E é justamente por esse enorme desejo interior de que a vida não seja só isso, que temos a arte, a necessidade de poesia, do belo. Geniais artistas que não procuram só retratar a “realidade”, mas a subjetividade que ela causa em nós. Sentimos algo, logo existimos de verdade. Nos vale o pão não como um mero composto químico que nos fornecerá energia, mas como a transcendência única que é seu sabor… Seu sabor, a delícia abstrata e infinitamente necessária ao ser poético. Sim, o sabor, o gosto… Aquela sensação breve que vai da língua ao nosso cérebro e nos faz querer viver… Sabor, sabor, sabor.

                Ver nosso querido pão retratado em tantos quadros por tantos séculos demonstra que para nós não basta ele em si, material, alimento. Queremos uma representação dele, expressar algo com ele, a partir e às custas dele… E ainda sim, louvamos o qualia que só ele tem, o sabor que vem dele, subjetivo e inexplicável,  que nada pode expressar a não ser o ato de degustá-lo. Qualia é tudo aquilo que não se explica… É como explicar a cor verde para um cego, ou o sabor do pão para quem não tem paladar.

                    O pão não é uma fruta que nasceu naturalmente e ao acaso pelos campos do mundo. Não. Ele está longe de ser “natural”. Por isso ele já é em si um símbolo poderoso do tipo de alimento que só o ser humano vai atrás: novos sabores, criatividade, invencionices para novos qualias. “Esse é o meu corpo “, diz Jesus mostrando o pão e desencadeando  mais metáforas, mais simbologias, mais poesia… E ele foi escolhido no Pai Nosso como o alimento em essência do ser humano porque vai muito além de nutrição física, mas também do espírito, a graça que buscamos… Sofisticalizamos e imprimimos poesia até no ato de nos alimentarmos. O pão remete a isso.  É infinita a variedade de pães que inventamos… Não basta só comer.

                E com certeza é o sabor mais genial descoberto pelo ser humano. Todos os alimentos que mais amamos são derivados dele: massas, pizzas, sanduíches e etc. A tecnologia do pão jamais ficará obsoleta. Surja o computador que surgir, a realidade virtual que surgir… O pão ainda será maior. Uma inteligência artificial, um infinitamente complexo robô, jamais será completo se não for capaz de sentir e apreciar o gosto de um pão. O sabor… Será sempre uma máquina apenas funcional… O pão simboliza a vida em arte e não a vida meramente biológica e química. E simboliza àquele que tem consciência e senciência de que pode saborear…

                Temos um cérebro que sabe o que é um sabor, que consegue não só comer, “mandar para o bucho e digerir”, mas que dá passos para traz e entra na catarse da “apreciação”. O mundo não teria beleza sem um ser que a soubesse perceber, refletir. Degustar!

                Ao ver nosso querido pão representado nas mais diferentes formas na visão de cada artista, sabemos que somos aquele tipo de criatura que viu necessidade de incrementar as coisas, de pegar uma planta esquisita como o trigo, produzir farinha e depois aquecer… Tudo pela infindável inquietude de buscar mais sabores, mais temperos para a vida. Quantas formas de pão poderemos inventar? E depois ainda pintá-los das formas mais variadas e doidas… Nós, os eternos caçadores de novas emoções. O pão dentro do quadro significa tudo isso… e muito mais! Qualias dentro de qualias dentro de qualias….

                Ao invés de tanta falação, vamos agora degustar pães, mas dessa vez com os olhos…

O pão que o diabo amassou…

Componente essencial do pão, para os egípcios, o trigo simbolizava a imortalidade e estava associado também à fertilidade, as colheitas e, sobretudo, ao verão.

Egito

Índia

Maravilhosos artistas e seus pães

Van Gogh

“Prato com pão”, (1887)  Vincent Van Gogh (1853 – 1890).

“Copos, pão e manteiga”,  Vincent Van Gogh.

Rembrandt

Natureza morta “Crânio e pão” de Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606 – 1669).

Ilustração de Rembrandt onde o diabo provoca Jesus para que transforme pedras em pães.

“Velha cortando um pedaço de pão” de Rembrandt.

Magritte

“A lenda dourada” do surrealista Rene Magritte.

“L’avenir” (Doravante)

René Magritte (1898-1967).

Dali

“Mulher com pão” escultura de Salvador Dali (1904 – 1989).

“Cesta de pão” pintura de 1945 de Salvador Dali.

“Pão antropomórfico” de Salvador Dali.

“Cesta de pão” de 1926 de Salvador Dali.

Picasso

Natureza morta de Pablo Picasso (1881 – 1973).

“A carregadora de pão” de Pablo Picasso.

Milletti

“Mulher assando pão” de Jean-François Millet (1814 – 1875).

Mateo

“Cesta de pão” de Rodrigo Mateo (1984).

Soutine

“Pão e violino” de Chaïm Soutine (1893 – 1943) expressa que somos a criatura que acima de tudo se alimenta de beleza. Precisa de transcendência para viver. Não basta uma laranja, queremos brioches, não basta sons aleatórios e ruídos, queremos música…

Adriaensz

“O Padeiro” de Jacob Adriaensz Backer (1609 – 1651).

Allingham

“Assando Pão” de Helen Allingham (1848 – 1926).

Vermeer

“A leiteira” de Johannes Vermeer (1632 – 1675).

Arcimboldo

O pintor italiano Giuseppe Arcimboldo (1526 ou 1527 – 1593) sempre fazia retratos dessa maneira, com comidas amontoadas criativamente formando um rosto. Ao lado vemos uma homenagem feita a ele por um grupo de fotógrafos, que usou apenas pães para compor a imagem a que batizaram de “Bread Pitt”.

Wojnarowicz

O pintor americano David Wojnarowicz (1964 – 1992) nessa obra “A costura no tempo” procura transmitir a sensação de que um ato uma vez executado não tem como ser desfeito no tempo, a não ser como algo não natural. O pão já cortado não pode ser “descortado” e nada volta como era antes…

Moore

O pintor contemporâneo californiano Scott Moore (1949) retratou o homem como miniatura para expressar o sentimento de que o mundo nos engole e não nós a ele. A surrealidade da cena se contrapõe ao nosso mais conhecido e querido alimento.

Rubens

Anjo entrega pão a Elias”, de Peter Paul Rubens (1577-1640).

Manet

“O brioche” de Édouard Manet (1832 -1883).

Cézanne

“Pão e ovos”, de Paul Cézanne (1839-1906).

Lievens

“Pão e livros” de Jan Lievens (1607 – 1674).

Durer

“O cavaleiro, o pão e o vinho” de Albrecht Durer (1471 – 1528).

Gibb

“As trevas despencam no mundo do pão branco” de Stephen Gibb (1973).

Rosenquist

“Branco pão” por James Rosenquist (1933-2017).

Anker

“A menina com o pão” do pintor suiço Albert Anker (1831-1910).

Safet Zec

“O pão da misericórdia” série de quadros de Safet Zec pintor contemporâneo da Bósnia.

Giacometti

“O pão” de Giovanni Giacometti (1868 – 1933).