Todo esse preâmbulo chatíssimo para introduzir propriamente, com o devido mérito, o grande Ramana Maharshi!
Eu, um dos seres mais chatos, desconfiados e investigativos do universo espiritual, tenho o prazer de denunciar que Ramana não tem nada a ser denunciado e isso é um escândalo.
Não só sua vida é uma encarnação do que sempre ensinou, mas aquilo que ele ensina, ao meu ver, é o topo da sabedoria humana, pois não há contradições, especulações levianas, coerções, forçadas de barra, inconsistências, cretinices ou falsidades ideológicas. Para mim foi o fim da procura, não há nada mais correto do que isso. Conciso, simples e estritamente o necessário, a sabedoria e a vida de Ramana são a infalibilidade que sempre procurei. E ele jamais pede que se acredite nisso ou naquilo porque ele é alguma autoridade… Ele quer que se experimente e ache se o que ele fala é verdade, apenas isso. Seu milagre é sua lógica e coerência, tanto de vida quanto de filosofia, que são uma só coisa.
Não pretendo aqui nesse artigo me demorar demais em explicar a filosofia que ele ensinava, porque sinto que o farei em muitos e muitos outros textos ao longo da existência do site. Minha intenção aqui é apenas fazer uma breve introdução como um prefácio de algo maior que está por vir.
Ramana estava com dezessete anos quando de repente sentiu um intenso medo da morte, um medo que veio por nenhum motivo específico. Deitado como se morto, ele teve o insight de perguntar “quem é que está com medo da morte?” e se havia ali um “eu” que não era o corpo ou os pensamentos. No momento que se fez essa pergunta, Ramana descobriu dentro de si a testemunha, o observador, o Eu em estado puro, que não tinha medo algum da morte, mas era apenas onde o medo da morte era observado. Ele descobriu que o medo da morte era só um pensamento e nada tinha a ver com seu verdadeiro “eu”. Ele conseguiu sair daquilo que sempre julgou ser ele mesmo e observou aquilo que observa…
Consciência pura, sem ser consciência de alguma coisa. Você sempre presta atenção em alguma coisa, mas como seria a atenção em si, voltada para si mesma?
Observar como verbo intransitivo. Observa-se sempre alguma coisa, esse é o sentido de um verbo transitivo. Mas Ramana achou o observar o observar, observar em si, o ato de enxergar aquilo que enxerga…
Imaginem o “eu” como uma tela de cinema onde sempre passam imagens sobre ela e essa tela sempre esteve focada nas imagens que passam nela. De repente ela sente a si mesma, que ela é onde as coisas acontecem… O corpo e os pensamentos são objetos que acontecem nessa tela. Ela achou que as projeções eram ela,
Outra metáfora é a do espelho. O espelho está sempre refletindo algo, mas nunca, jamais é manchado pelas imagens que reflete. O que Ramana fez foi olhar para a capacidade de refletir em si, mas sem refletir nada além de ser ela mesma.
Segundo Ramana, o verdadeiro “eu” é um substrato onde o universo inteiro está sobreposto. Mesmo o seu corpo e seus pensamentos, são também apenas objetos sobrepostos nessa consciência pura, aquilo em você que sabe que existe, que presta atenção, que está aware. O problema é que nunca você está sem pensamentos, sua atenção está sempre ocupada de algo e nunca conseguiu olhar para si mesma.
Por isso o processo de iluminação nada tem a ver com acrescentar algo, muito pelo contrário. Tem a ver com tirar, parar de prestar atenção em todas as sobreposições e vislumbrar aquilo que é apenas espaço para elas, aquilo que as percebe percebendo a si mesmo.
Já somos iluminados, estamos apenas identificados com uma imagem sobreposta sobre nós que Ramana chama de Ego. Ego não é só aquela coisa de querer se exibir para os outros. Isso também faz parte, mas a palavra “Ego” para Ramana tem uma abrangência muito maior. Tudo aquilo que se identifica com algo que não é o “eu” puro, awareness itself, a atenção em si, a consciência em si, é Ego. Ego é tudo aquilo que não somos. E a única coisa que realmente somos é o substrato onde acontecem os Egos, os objetos, o sonho do mundo. Ramana falava sempre que o mundo externo é sonho, é irreal, é imagem num espelho, é filme numa tela de cinema… A essência do universo é consciência pura.
Por isso a frase tão famosa “be still and know that I am God”. Pare, cesse qualquer movimento, e verá a Deus… Deus começa onde cessa o movimento.
Assim como Deus disse a Móises quando este perguntou qual era o seu nome: I Am That I Am. Deus seria o “Eu sou” sem nada depois, apenas “ser” sem nenhuma característica depois. Essa é a liberdade de um ser iluminado.Uma frase famosa de Ramana é: “Não seja isso ou aquilo, apenas seja”. Não se identificar com nada é a única liberdade e a alegria em si. É não se limitar e virar infinito.
Awareness itself, not Awareness of something…
Não há um só momento em que você não esteja consciente de que existe. Tudo acontece para você, é óbvio que você existe, é a única certeza que pode ter, que está ciente, aware, que existe… A iluminação é uma coisa extremamente boba, óbvia… Mas de tão óbvia e tão perto, não enxergamos. A busca é em parar de prestar atenção em alguma coisa para prestar atenção sobre o prestar atenção.
Quem olhou para essa atenção em si, não quer mais nada na vida. Apaixona-se perdidamente, descobre como a fonte de tudo.
Por isso dizem que Deus é o mais próximo, o mais perto, o mais íntimo… Está tão colado em você que você não enxerga, porque sua atenção está sempre voltada para alguma coisa e não para si mesma.
Como seria a atenção na atenção? Estar ciente que se está ciente? O espelho que reflete a si mesmo, que olha para si.
Foi a mesma coisa que São Francisco declarou: “aquilo que está olhando é aquilo que eu procuro”. “What is looking, is what I am looking for…”. Aquilo que está consciente em mim é aquilo que eu procuro…
Quem olha para si mesmo, para o que chamam de Self, se apaixona assim como Ramana se apaixonou, não há comparação com nenhuma alegria, porque é a alegria em si. Quando pôde ver quem nele estava ciente de todas as coisas externas ele nunca mais deixou de estar absorvido nesse estado e tornou-se livre.
Ramana Maharshi nasceu na índia em 1879 e faleceu em 1950. Ele mesmo não dava importância ao seu nome e sua história. Sabia que eram miragens sobrepostas em seu eu verdadeiro. Queria apenas que as pessoas descobrissem a si mesmas.
Em todo caso, falaremos mais sobre sua história em outros artigos, pois nos ajuda a entender sua filosofia.
Ensinava o self-enquiry, auto-investigação… Pergunte a você o tempo todo “quem sou eu?”. Tirando todas essas coisas passageiras, o que sobra, quem sou eu de verdade? Não sou esse nome, essa história de vida, meu passado ou futuro, esse lugar que vivo, esses atos que cometi, esses pensamentos que acontecem sozinhos… Quem sou eu tirando isso tudo? Sobra o que?
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