A beleza do filme “Noé”

O que Deus quer está claro?

Profusão involuntária de ideias desconexas sobre o filme “Noé”…

A Importante Mensagem do Filme “Noé” (ou não tão importante assim)!

Por que o filme “Noé” tem causado tanta controvérsia e até mesmo um ódio por parte de crentes mais fanáticos? Porque mostra um Noé sem certezas, frágil, humano. Mostra que ele não sabe exatamente a vontade de Deus, tateia no escuro tentando descobrir a coisa certa a se fazer. Num mundo onde milhares de bispos, gurus e espiritualistas vendem a ideia de que sabem com absoluta certeza qual é a vontade desse criador, vem um cineasta e mostra um Noé (que deveria ser um  profeta) cheio de dúvidas e que cobra que Deus fale com ele claramente o que quer. E olha que o diretor Darren Aronofsky foi elegantíssimo, pois poderia ter citado as inúmeras inconsistências do texto bíblico e as dúvidas de um Deus irado, arrependido, vingativo que vive mudando de ideia e se contradizendo. Mas não o fez. Apenas mostrou que não é fácil entender os desígnios da criação. Mesmo assim ganhou muito ódio pelo mundo.

E quem desses crentes raivosos pode dizer que um dia não olhou para os céus e disse: “afinal, o que Você quer de mim? Não fiz tudo certinho pô?!”. Eles jamais confessariam, mas fazem quase todo dia. É feio mostrar que a fé oscila, que em verdade não sabemos nada sobre a verdade.

É duro não ter um chão firme pra andar… (contraditório).

Deus (ou alguma sabedoria inerente ao cosmos) jamais deixou nada claro nesse mundo! Nunca, em tempo algum. Essa é a linha de pensamento desse site e por isso o filme Noé é tão importante. Nunca Deus deixou nada claro nesse mundo. Vivemos em plena torre de Babel: cada um fala uma coisa, uma língua própria, e quase ninguém se entende.

O filme vale para qualquer tipo de certeza absoluta: da ciência, da política, das práticas éticas e sociais, das idiossincrasias pessoais…  funciona como uma metáfora para todo o ser obsediado por certezas, mas que muitas vezes no íntimo não sabe onde por sua fé…

Mostrar certeza nesse mundo é considerado sinal de sabedoria. Vende-se constantemente a ideia do guru que se iluminou e que, portanto, tudo o que fala é direto da essência da vida, da criação… Se ele ouve Deus então questionar é heresia. Quem leu muito, pesquisou várias fontes e não se manteve em uma só doutrina, percebe que cada um ouve um deus diferente, com sua bagagem própria de dogmas… portanto, ser fiel a um é ser herege com milhares de outros. Não importa o que você faça, em alguma religião do mundo você é um herege. Mesmo se tentar ficar sem se mexer ou falar nada, alguém vai dizer que você está pecando por não rezar, agir, ajoelhar, multiplicar…

A palavra “heresia” vem do grego e significa apenas “escolha”. Mas foi o cristianismo que popularizou a ideia de que essa escolha poderia ser uma ofensa à Deus. No ano de 385 depois de Cristo o primeiro herege foi executado. Chamava-se Priscillion e foi acusado de ter praticado magia. Mais tarde seus acusadores e executores foram perseguidos pelo próprio Papa que considerou que erraram no julgamento. O homem já tinha sido morto. O primeiro a ser considerado herege depois não era mais herege. E a coisa nunca mais parou.

Com toda a história de incertezas e erros, por séculos e séculos,  ainda sim mostrar que sabe como o mundo funciona parece ser um status imprescindível para os místicos e “sábios”.  Muito mais sábia é frase: o problema do mundo é que os mais idiotas estão cheio de certezas e os mais sábios cheios de dúvidas. Li o prefácio de um livro que dizia assim: “…a autora mostra que realmente entendeu como funciona o mundo e sabe ler sua linguagem”. Nossa, ela entendeu o mundo, só isso… Para vender livros ou dar palestras… é só nessa hora que vemos alguém com tamanha certeza de que compreendeu o universo.

Somos chamados a dar opinião sobre tudo, mesmo quando não temos informações suficientes para tal. Dizer “não sei” parece ser uma vergonha, uma derrota. Alguém que não se posiciona.   Todos parecem ter certeza da vontade de Deus. Mas o próprio nunca aparece para dizer: “olha gente, a coisa é assim e assim…”. Ficam todos se debatendo sobre o que O ofende, o que Ele disse, o que Ele quer…o que é heresia. E procuramos profetas pela vida afora, alguém que saiba o que Ele quer. E para o nosso desespero, é como ir no médico: cada um diz uma coisa, para cada profeta um Deus que pensa diferente… para muitos nem há um Deus. E aí lembramos que a própria ciência tornou-se cautelosa ao afirmar algo: o que antes eram “leis” (época de Newton) agora são apenas “teorias” (época de Einstein). O que antes eram “provas” agora são apenas ”evidências”. A qualquer momento tudo pode cair por terra…

A lindíssima cena da criação do filme:

É preciso deixar muito claro uma coisa (a frase já se contradirá em si mesma): Deus (ou alguma sabedoria inerente ao cosmos) jamais deixou nada claro nesse mundo! Nunca, em tempo algum. Essa é a linha de pensamento desse site e por isso o filme Noé é tão importante. Nunca Deus deixou nada claro nesse mundo. Vivemos em plena torre de Babel: cada um fala uma coisa, uma língua própria,  e quase ninguém se entende. Um ser inteligente jamais nos deixaria um livro para seguir. Um livro e sua consequente língua não servem para a transmissão clara de nada porque precisam de interpretação, de tradução. A língua é uma prisão estreita, incapaz de algo mais  profundo. Insano é cobrar um do outro aquilo que nunca ficou claro.

Mas, como falaremos em outro artigo, essa é justamente a beleza desse mundo: nada está claro. Na busca de entender o porquê, muita coisa boa é criada.  A arte vem da impossibilidade derradeira de entender o mundo…

O  bonito em Noé, é a vontade de que não exista mais o mal, que o ser humano pare de brigar, de se machucar uns aos outros, de corromper a natureza. Mas o que fazer para conseguir isso pode criar ainda mais confusão. E a coisa entra num loop infinito…

A própria reação ao filme mostra que ainda gostamos mesmo é de brigar, consideramo-nos sempre  o lado bom do mundo e quem pensa diferente de nós o mal. Noé viu o mal nele e em sua família… poucos têm essa percepção. Invejosos são sempre os outros. Mas como disse o poeta. W.Auden  “…o mal come a nossa mesa, deita em nossa cama…”.

“Não existe nada mais perigoso no mundo do que uma pessoa que tem certeza que está certa”. Essa frase não encerra em si uma sabedoria completa, pois em alguns casos a certeza é sim uma certeza que funciona. Nada que pode ser escrito é uma sabedoria final, apenas em fluxo. O que é aplicável aqui não é mais ali. Impossível escrever sem mentir ou sem dizer uma verdade.

Deus se arrependeu de ter criado o homem… então nem Ele segundo a bíblia tem certeza do que faz. E criticam o filme por mostrar um Noé perturbado. O Vaticano não aprovou o filme… Querem alguém que sabe a vontade de Deus e que por isso segue em absoluta paz de fazer a coisa certa. Hummm… se o deus bíblico é tão instável!

Crente de que algo é verdade é a pessoa que um dia vai falar:  “tô pasmo, não era nada daquilo!”.

Estou certo de que esse texto pode no máximo resvalar com alguma coisa que seja certa. Agora fiquei cheio de dúvidas. Tenho certeza que tenho dúvidas…

Somos todos Noés, querendo acertar, saber quem somos, o que devemos fazer… colocar tudo que mais amamos no mundo numa arca pra fugir de todo mal. Ficamos perturbados as vezes porque essa voz que nos deveria conduzir não é tão clara como gostaríamos. Mas seguimos em frente às vezes xingando às vezes agradecendo a vida e quem possa nos ter criado. E assim é!

O final do filme é lindíssimo. Sempre é tempo de recomeçar, mesmo tendo certeza que vamos errar de novo…

Lavar tudo com água, um banho na humanidade e toda sua sujeira… um arco íris brilha mostrando a ressurreição… a morte é só um recomeço…  crescei e multiplicai… a imaginação humana está a solta mais uma vez!