Quociente de Objetividade

Quando a inteligência sucumbe às emoções

Antes de começar uma discussão sobre qualquer assunto que seja é preciso conhecer melhor a fonte real das opiniões humanas e como elas se manifestam. Muito se fala do “Q.I.” das pessoas, ou seja, o famoso quociente de inteligência que definiria a capacidade de cada indivíduo de relacionar fatos e chegar a conclusões lógicas e eficientes. Há porem um outro tipo de quociente que é muito pouco falado, discutido ou mesmo percebido pelas pessoas: o quociente de objetividade. Entender o que é esse quociente é de vital importância para adentrarmos qualquer discussão, pois é através desse entendimento que aprendemos a suspeitar dos argumentos das pessoas envolvidas e principalmente dos nossos (o que é sempre mais difícil).  Em poucas palavras e já tentando ser o mais objetivo possível, esse quociente de objetividade procura evidenciar o quão livre de preconceitos, traumas, compulsões, medos, emoções, negações e egocentrismos a pessoa está em relação ao tema que é debatido, para que de maneira limpa, realmente possa ser racional e argumentar honestamente. Todos nos consideramos absolutamente lógicos, racionais e objetivos quando damos nosso parecer. Aquele calor que sobe pelo corpo durante as discussõezinhas mais efêmeras, sempre mostra o contrário… quanto mais importante um assunto é para nós, parece que mais baixo se torna nosso quociente de objetividade. Como todos os assuntos de uma forma ou de outra estão conectados, quase nunca somos genialmente objetivos em relação a nada.

Existem dois circuitos básicos biológicos em todos nós que são imediatos e afloram de maneira instantânea e imperativa, sempre influenciando nossa concatenação de idéias.

O primeiro deles vem desde nosso berço, é a chamada fase oral. Para sobreviver, a única coisa que sabemos realmente fazer é sugar. O peito da mãe é nossa segurança, nossa fonte de vida, nosso lar. Tudo o que vemos pela frente levamos à boca para avaliar se é tão bom quanto o peito materno. Ao contrário do que pensamos, essa fase oral nunca passa. Para sempre estaremos analisando tudo o que existe no mundo entre nutritivo e seguro, e venenoso e perigoso, de maneira não tão racional como gostamos de pensar. Aquilo que nos é familiar, para sempre se tornará o que é seguro. Por esse motivo, poucos são os que escapam das convenções sociais de seu grupo.  Se a pessoa tem a idéia de um pai celestial que a protege, você não conseguirá argumentar com ela sobre a existência ou não de tal ser, pois muito antes de raciocinar ela precisa sentir-se segura e o fato de questionar tal coisa faz com que toda sua estrutura biológica se defenda, comprometendo toda a objetividade. Ela só ouvirá argumentos que confirmem sua paz, que a mantenha segura. Isso é bem mais importante do que descobrir a verdade. (não estou querendo dizer que isso é ou não verdade, usei esse assunto como poderia usar outro qualquer)

...o quociente de objetividade procura evidenciar o quão livre de preconceitos, traumas, compulsões, medos, emoções, negações e egocentrismos a pessoa está em relação ao tema que é debatido, para que de maneira limpa, realmente possa ser racional e argumentar honestamente.

O segundo circuito que começa a aparecer pouco depois no desenvolvimento da criança é o de defender território. Todos os animais buscam perpetuar e proteger seus próprios genes. Seu “pool” genético. Tudo o que o ser humano faz em busca de poder é a mesma coisa que um felino faz ao espalhar seu excremento: demarcar e aumentar seu território para perpetuar sua espécie. Do macho com medo de perder o status frente a sua fêmea ao torcedor desesperado para que seu time vença, todos procuram espalhar sua própria semente e vê-la ganhar o mundo. É muito difícil ter uma discussão limpa quando na verdade os indivíduos estão apenas interessados em mostrar superioridade, confirmar território, manter status e derrotar o gene alheio.

 Quando a pessoa então se enamora de suas próprias idéias tudo fica pior, pois com o tempo passa a assumir aquele conjunto de crenças como seu próprio “Eu”. Atacar essas idéias é atacá-la pessoalmente, invadir seu território. Ela já nem percebe mais que aquilo é uma crença, para ela é a realidade, sua própria individualidade. Por orgulho (medo de perder território) ela jamais conseguirá rever aquelas idéias, pois será o mesmo que negar a si mesmo, recuar.   O cético dificilmente ouvirá argumentos interessantes sobre espiritualidade, pois já associou seu ceticismo a si mesmo, à sua superioridade mental, e portanto, não ouvirá nada que não confirme o status conquistado há anos. Se não entende algo ele procura desprezar e dizer que não é importante.

Um cientista vai ficando cada vez menos objetivo à medida que os anos passam e ele insiste em provar uma teoria, sua grande tese. A vontade de estar certo e brilhar, ou mesmo só ter dinheiro para sustentar sua família, vai comprometer e sujar todos os seus dados. Nada corrompe mais um experimento do que uma vontade pré-determinada em favor de determinado resultado. E como não existem pessoas limpas o suficiente (veremos isso mais detalhadamente futuramente em outro artigo)  nenhum experimento realizado até hoje em nosso planeta está livre de nós mesmos , ou seja, nada pode ser analisado em si, mas somente através de nós, comparando duas realidades.  A física quântica mostra como isso é fatal e altera tudo o que tentamos entender. Achamos que vemos a realidade, mas apenas vemos algo em relação a nós mesmos.

Todas as opiniões humanas estão comprometidas por esses dois circuitos. Precisamos sentir segurança garantindo a sobrevivência e demarcar nosso território para proliferar nossos genes. Isso parece reducionista e básico demais para nós que nos consideramos tão intelectuais e abençoados como a elite do planeta. Mas fato é, que por debaixo de todo o verniz somos sim animais, e como tais, usamos de todos os recursos ao nosso dispor para executar essas tarefas básicas, simples, inerentes e biológicas, programadas em nosso DNA.

Só para citar dois exemplos gritantes entre pessoas inquestionavelmente brilhantes, Einstein só admitiu as idéias da física quântica quando foram definitivamente comprovadas por cientistas e ele não tinha mais argumento contra possível… Edson passou a vida inteira sendo contra a corrente alternada de Tesla, alegando ser perigosa, o que comprovadamente não era verdade. Pelo simples fato de não serem idéias suas, esses cientistas obscureceram seus próprios raciocínios para poderem reinar supremos. Ahh, que feio…

Por isso muitas vezes percebemos pessoas muito inteligentes colhendo só os fatos relevantes a sua própria versão das coisas de forma grotescamente desonesta e burra, na maioria dos casos claramente inconsciente. Com generalizações bizarras, associações incoerentes e cegueiras convenientes, assistimos pasmados a esse show circense do “é porque é”, com a pessoa fazendo as manobras mais absurdas para tudo caber em sua teoria. Podemos dizer que em determinado assunto tal pessoa é inteligente, mas em outro ela se torna uma toupeira sem nem perceber. E como fica difícil debater qualquer coisa que seja com esses impulsos biológicos tão fortes minando o raciocínio.  E as associações complexas e infinitas que cada individuo faz em sua mente, dividindo arbitrariamente tudo entre seguro, familiar, bom/ mau, bonito/feio, isso sou eu, isso não sou eu, tomando subjetividade por comprovação, conectando isso aqui isso ali, faz com que cada um viva num mundo incrivelmente único. Daí vem a frase: brigamos tanto porque achamos que vivemos no mesmo mundo. Nada mais longe da verdade. Você conectou amarelo com pus de forma definitiva há muitos anos atrás e não sabe, então como é que vai curtir minha camiseta amarela?  Quando penso na Alemanha, o que mais associo a ela é Beethoven. Você é Hitler. Quando ouvimos juntos “Alemanha” estaremos ouvindo a mesma palavra, pensando no mesmo país? Claro que não…

Mas, é possível sair disso tudo. Neutralizar os dois circuitos básicos é essencial para liberar nossas habilidades mais avançadas. Nosso maior dom como seres humanos, o que nos diferencia de outras espécies, é o de avaliar nosso comportamento e mudar. Discutir um fato sem necessidade de segurança e medo de ser aniquilado e sem vontade nenhuma de defender e espalhar o próprio pool genético, nos libera para um nível superior. Esse é o objetivo aqui nesse blog… aumentar o quociente de objetividade o quanto for possível a nós animais.

Todos nós já tivemos a experiência de participar de uma rodinha de amigos, onde de repente, sem saber como, entramos num momento iluminado onde ninguém se importa mais em parecer ou defender nada, os impulsos biológicos básicos foram neutralizados e tudo flui de forma deliciosa, cada um contribuindo para o assunto de forma essencial e pertinente, como um organismo perfeito, até o momento em que um dos indivíduos se sente ofendido e ameaçado porque viu algum assunto essencial a ele ser contrariado e a magia se desfaz. A mediocridade volta a reinar e cada um se arma até os dentes novamente…

Pergunte a seu amigo ou esposo quando ele lhe vier confiante com uma afirmação qualquer: “Com que quociente de objetividade você me diz isso?”

Sempre será saudável questionar a nós mesmos e aos outros, o quanto for possível a quantas anda o tal quociente de objetividade em relação a tudo se quisermos real e honestamente compreender uma questão. O que chamamos de intuição, aquela voz que vem lá de dentro e que muitas vezes contraria todos as outras vozes inferiores de sobrevivência, é uma voz que poucos ousam seguir, mas que é o verdadeiro raciocínio, a claridade e o que chamam de quinto circuito, a ausência total de pré-julgamentos do animal acuado. Muitas técnicas psicológicas e espirituais visam justamente a bem aventurança desse estado.  Mais isso é papo pra outro dia…e com certeza eu não consegui a plenitude de um quociente de objetividade 100% nesse texto…portanto desconfiem de cada linha! …talvez tenha escrito só pra parecer inteligente e ganhar território… ahhh que feio!!! Paciência…