Vamos mudar nossa compreensão das palavras usadas nesses assuntos, tentando suspender o ranço que já carregam. Vamos começar com “pecado”, palavra que virou motivo de chacota entre as pessoas mais cultas. A palavra “pecado” (do original grego “hamartia”) significa ERRAR O ALVO, falha em atingir a marca…
Esse significado vai ser importantíssimo para nosso entendimento aqui: errar o alvo.
A outra que é importantíssima entender é: Satã, Satanás, nosso tão não querido Diabo.
A palavra Satã tem origem simplesmente no deus romano Saturno, nome equivalente ao deus grego Kronos, de onde se origina a palavra cronômetro por exemplo, tudo aquilo que usamos para medir tempo. Kronos se origina da palavra “ker” que quer dizer “cortar”.
Saturno/Kronos era tido como o deus que devorava seus filhos. Os quadros sobre ele são sempre violentos e ele geralmente traz em suas mãos uma foice que virou o símbolo da morte, o ceifador. Ele corta…
Esse significado “cortar”, “fatiar”, e toda a alegoria de Cronus, tem a ver com o tempo. Cortar a existência em momentos que se sucedem e principalmente ter um antes e um depois. O foice de Saturno dividiu a existência em antes e depois. Satã, Saturno e Cronos simbolizam o tempo, o fim do Agora, a distância de Deus.
Diabo, o grande adversário de Deus, quer dizer apenas tempo vs. agora. Deus seria um estado pontual, o eterno Agora. Satã o estado de divisão entre antes e depois, sem a capacidade de estar aqui e agora.
Esse é o significado prático e verdadeiro de toda essa historinha Deus vs.Diabo: Agora vs. tempo.
Não vamos nos estender demais em falar sobre o complexo assunto do tempo, mas só na parte que nos interessa em explicar porque um prazer como o sexo pode ser considerado do Diabo, ou como eu gosto de chamar, um prazer escorregadio (sem duplo sentido sexual aqui).
O problema central com nossos habituais prazeres é justamente o tempo. Eles ocorrem linearmente, na flecha do tempo, passando por nós e nunca permanecendo. Os prazeres no tempo nos oferecem um desafio: como agarrá-los, permanecer neles…
A sensação pode ser maravilhosa, mas ela vai passando por nós como um trem bala, ficamos tentando segurar, sorver, nos perpetuar naquele momento, mas ele só existe em fluxo, ele vai passando, sempre indo…
O ato sexual e a delícia de tomar um sorvete apresentam o mesmo problema. Sua mente não consegue estar exatamente onde eles estão ocorrendo, a passagem é sentida, mas é vertiginosa… Você quer mais um pedaço porque comer aquele brownie maravilhoso é rápido demais. Quando você vê, já era. Quantos pedaços você pode ter… ?
Aonde exatamente está o sabor…? Ele está passando. Concentre-se mais, observe… Passou! Morde outro pedaço…
Apesar de vivermos uma era de deleites por todo o lado, existe muito pouca satisfação. Não existe o proibido. Você pode transar com quantas pessoas quiser, comer quantos doces maravilhosos imaginar, conquistar as vitórias mais incríveis que impressionam todos os seus amigos… Não adianta. Esses prazeres são de Saturno/Cronos, estão inseridos no tempo… Vertiginosos… Viram passado o tempo todo! Viram passado assim que começam. É só por isso que são considerados prazeres diabólicos, porque jamais você vai conseguir apreendê-los, tê-los pra si. Quanto mais você aperta pra tentar segurar, mais eles escorregam. Fica sempre uma insatisfação, um pós festa amargo… Vazio!
Poderíamos pleitear ao universo um orgasmo de 40 horas, um corpo que não engordasse e não sentisse nojo mesmo após o centésimo pedaço de petit gateau. Poderíamos pedir para um momento maravilhoso entrar num loop por dias… Ainda sim, tudo isso estaria inserido no tempo do mesmo jeito, passaria por você e aquilo que passa não se compara aos prazeres pontuais, daquilo que fica num eterno instante. E isso existe?
O paraíso não é um lugar. Lugares são coisas inseridas no espaço/tempo. Precisam de largura e comprimento. Deus e o paraíso são uma só coisa. E Deus é simplesmente a ausência de tempo, Cronos derrotado. E Deus é o nome que damos ao prazer pontual, a felicidade em si.
“Be still and know that I am God”. Pare o tempo e saiba que “eu sou Deus”.
O inferno é somente a perpétua auto-reflexão que se perdeu do Agora e vive no mundo de Saturno, dividido entre ante e depois e seus prazeres sempre de segunda categoria porque estão em fluxo… Aonde está o prazer desse sabor? Aonde? Está passando-passou…
Ai está o cerne, o problema central de todos os prazeres que tanto amamos: passando-passou. Tente segurar o sabor do doce, tente… Aonde exatamente está você?
Aonde está o sabor? Passando-passou…
A mente ainda por cima está atribulada, o sabor no meio de tudo… Você tenta!
Se analisarmos bem cada deleite nosso, veremos a cara feia dessa frustração com o tempo.
Além de todos os problemas que geram em nossa vida: para ter sexo preciso estar bonita, preciso estar jovem, preciso ser novidade para meu parceiro, preciso estar magra, preciso comer menos, para conquistar mais mulheres preciso estar rico, sarado, dar presentes, ereção, arrojo, diâmetro, potência, poder…
Deus é o agora, a ausência de desejo. O problema do desejo é sempre um problema de tirar você do agora. Eles brotam exponencialmente e nos fazem pensar o tempo todo como aquela pessoa deveria ser mais assim, como deveríamos estar mais ricos, num lugar mais bonito, mais jovens, etc. Todos problemas no tempo, que ele nos trás. E medo, muito medo do que está para acontecer, que é quase o estado habitual do ser humano.
Nunca houve na história da humanidade tantas delícias para se curtir como hoje… As ofertas são irresistíveis e por todo lado. E nunca se tomou tanto anti-depressivo e tanto remédio para dormir. É que além de curtir o máximo que você pode, as fotos de todas as delícias que você poderia estar curtindo e não está, estão por todo lado e você sente ansiedade que é doença oficial do tempo futuro, ou depressão que é a doença oficial do tempo passado, todos os prazeres que você teve e que passaram. Prazeres que foram embora, prazeres que poderiam vir…
Prazer escorregadios, em fluxo, de Cronos/Saturno/Satã, jamais nos trarão satisfação concreta e duradoura, apenas ansiedade. Sempre se quer mais e quando o mais vem não conseguimos guardá-lo e só continuamos a correr por mais… É a sina de quem só vive no passado e no futuro.
O vazio no fim do fluxo do prazer… Aquela festa vai ser o máximo… já foi. Esse sorvete é uma delícia… acabou. Essa transa vai ser demais… gozei. Tudo nesse mundo é ejaculação precoce. E se estancamos o fluxo do prazer para tentar abrigá-lo em nós, ele some, é tipo uma maldição dele… Ele é passagem em si, não tem como contê-lo. É por isso que é tão comum dizermos que a antecipação é melhor que a coisa em si. É por isso que tiramos tantas fotos… Para encapsular aquele prazer e mantê-lo fora das garras do tempo. Mas…
A morte é o preço do tempo. O ceifador tudo leva.
sensacional!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!