Sincronicidade
Isso não pode ser só coincidência
Sincronicidade (coincidências altamente improváveis e significativas que nos ocorrem sem explicação lógica possível, através de conexões acausais e atemporais que transcendem o paradigma científico)
Desenvolvimento teórico
Dentre todas as milhares de estranhezas do mundo que nossa ciência e nossa lógica decididamente não explicam, minha preferida é de longe a sincronicidade. Se você é daqueles que abrem um sorriso enorme de convicção afirmando que a ciência hoje explica tudo, te coloco no mesmo patamar dos mais bobinhos dos crentes, que aceita qualquer coisa que lhe é imposta em nome da fé, porque alguém disse ou está escrito. A ciência muitas vezes é tão capenga, auto-centrada e radical/idiota como a mais tola das religiões, acreditando piamente que o universo é do tamanho de sua capacidade de compreensão. A lógica ilógica dessa pretensão cega o ser para os fenômenos mais triviais do cotidiano, que não batem com suas teorias. Incluo aí a sincronicidade. O fanático vê sempre através de sua própria mente, mas não sabe.
Claro, no final tudo é ciência, estar ciente, mas estar ciente do que ainda não se sabe é crucial para poder avançar. E quando nos confinamos em certos imperceptíveis paradigmas, acabamos por provar e explicar tudo que queremos, não desconfiando que estamos apenas tateando uma gaiola auto imposta, que nós mesmos criamos e a tomamos por tudo o que existe. Pelo menos a ciência hoje em dia é mais precavida. Veja essa importante mudança de nomenclaturas: antigamente batizavam-se certas descobertas de “leis”, como a “lei” da gravidade de Newton (risível, visto que até hoje ninguém sabe o que é gravidade)… hoje, essas “descobertas” são chamadas de “teorias”, um nome muito mais cauteloso, haja visto o enorme número delas que caem por terra todos os dias (“teoria” da relatividade de Einstein). Antigamente também se falava muito em “provas”científicas, um exagero tão definitivo… hoje, somos muito menos apressados e as batizamos no máximo de “evidências”. Tudo são no máximo hipóteses.
O fenômeno da sincronicidade abala os fundamentos de tudo o que sabemos sobre o mundo e nossas vidas. Ele aparece muitas vezes nas coisas mais banais do dia a dia, como um pequeno ou grande alerta de que existe algo mais acontecendo por detrás, uma significância maior subjacente às coisas. Obriga-nos a ter um olhar mais elevado do que estamos acostumados, erguendo nossas cabeças para observar nossas vidas de cima, mostrando mais claramente da onde viemos e para onde estamos indo, nós que geralmente achamos que um dia é só mais um dia, que um minuto é só um minuto, que uma pessoa que apareceu é só mais um acaso sem graça entre muitos. Nós que aprendemos a tirar o valor de tudo…
Muito além das subjetividades abstratas e histórias longínquas impossíveis de se provar que tantos gurus e religiosos tiraram proveito pra ludibriar os outros e criar uma aura de mistério sobre si mesmos, a sicronicidade é algo empírico, que acontece aos nossos sentidos, extremamente pessoal, que provoca nossa razão e nossa lógica, que se infiltra em nossa intimidade, nos deixando embasbacados e perplexos, sem possibilidade de arregimentar teorias ou leis que façam sentido, que expliquem como aconteceu. Ela utiliza-se de pessoas, animais, objetos inanimados, frases soltas, filmes, acidentes, ausências, memórias, aromas, sensações, fragmentos de tudo e todos; sabe nossos segredos mais íntimos, nossos pensamentos mais escondidos… mistura tudo, irrelevante com relevante, pequeno com grande, tudo é possibilidade expressiva e de transmutabilidade infinita em seu roteiro…..faz correlações intrincadíssimas e geniais, cria antecipações estapafúrdias ou grandiloquentes que deságuam em congruências absolutamente improváveis. Distraídos que estamos na mais desimportante das tarefas, mal desconfiamos que ela poça ser peça fundamental num esquema maior de coisas. Pequenos milagres escondidos, sendo revelados de uma maneira lúdica e surpreendente, do tipo que leva você a exclamar – Não, não pode ser…
Mas ninguém represa uma sincronicidade … tão difícil como guardar um raio dentro de uma garrafa, assim que achamos que compreendemos sua mensagem, ela continua seu jogo ininterrupto de desvairadas conexões e reconexões… jogando nossas expectativa para tantos lados, inoculando uma tontura tão enervante, que chegamos muitas vezes a pedir arrego, gritando – Eu não entendo, eu não entendo…o que querem de mim?
E perguntamos aos céus então se possuímos parte ativa nessa rede de eventos, em nossa própria vida… e ela parece sempre mostrar que sim, que existe um crescendo em seu encadeamento de coincidências que culminam num ponto central onde o arbítrio é fundamental… Cria-se nesse instante de pico o momentum onde o sagrado ato de optar dentre várias vias possíveis é exercido. E nenhum ser humano escapa da responsabilidade de escolher.
As grandes sincronicidades são como um espetáculo que assistimos na melhor das cadeiras do teatro, mas que de repente param tudo lá no palco quando chega numa encruzilhada de possibilidades, e os artistas olham somente para nós e nos perguntam: frente a tudo que te mostramos até agora decida algo… o canhão de luz vai pra você…as criaturinhas que formam a sincronicidade também não sabem qual será a sua decisão, você as surpreenderá… elas continuarão a criar a partir da sua decisão… e nada para, tudo muda, tudo flui… cada cor vira outra, sobreposta a nova que chega, e nada tem significado finalizado. Somos espectadores e co-autores ao mesmo tempo, a nossa frente o desenrolar de um vasto, complexo e convulso enredo.
O decepcionante é que muitas vezes a sincronicidade é intransferível. Tentamos contar e compartilhar refazendo a ordem dos acontecimentos para mostrar o absurdo dos fatos, a magnitude da impossibilidade… mas quem nos ouve mantém a cara de paisagem de quem só ouve uma história sem graça e nada mais. É preciso estar in loco na sincronicidade, ser usado por ela, estuprado por ela, feito de fantoche… ela respira no fluxo do momento, em cor e sensação, pulsa por dentro e por fora, tem uma ordem precisa, recorre a átomos só visíveis por nós mesmos… Presenciamos o sobrenatural feito carne, mas nossa retórica, nem que seja a mais hiperbólica possível e entremeada de geniais metáforas, faz ventinho na incredulidade alheia, na sensação de “historinha metafísica sem graça e crédula”.
Só quem nunca viveu uma sincronicidade é que aceita que nosso universo é composto só de matéria e energias amorfas, indiferentes e sem consciência. Apesar disso de não crer nisso, jamais tentaria explicar de onde vem essas sincronicidades como os mais apressados que já chutam Deus, anjos, demônios, alienígenas, nós mesmos num estado mais avançado, efeitos ou defeitos num programa de computador que seria nossa matrix, nosso mundinho ilusório 3D. Já li de tudo, anos e anos procurando saber tudo o que todo mundo escreveu sobre o assunto e posso afirmar: ninguém sabe da onde vem. Só existem especulações. É nosso grande mistério…
Estou sempre atenciosamente lendo o mundo em suas brincadeiras de repetição aleatórias…
Quanto mais presto atenção nelas, mais começam a acontecer. Quanto mais tento entendê-las com a mente racional, distribuindo significados e porquês, mais elas se riem de mim e se esquivam em direções opostas… fenômenos da natureza, pequenos universos dentro de outros universos, criaturas sencientes ,ardilosas e traquinas que alegram, esclarecem e confundem minha existência.
Mas atenção…
Sincronifilia é também um perigo. O vício em apregoar significado a tudo, como se fosse parte de algo maior, acaba por ter um efeito contrário, tirando o significado da coisa em si. Muitas vezes tomar um suco é tomar um suco. A maravilha está em si, sem conexões necessárias a mais nada para que o explique. A coisa em si jamais pode ser perdida. Perfeita em ser o que é. Uma noite de sexo maravilhoso, mas ilhada no tempo e na sua vida; é o que é.
O “é o que é” batizei de assincronia. Um evento tão bom que não tem necessidade alguma de significado maior num contexto mais amplo. A própria vida pode ser só isso: uma coisa em si, arte, pura arte, non sense… Nessas horas de momentos maravilhoso em si, sempre chega um chato (eu muitas vezes) pra dizer: nada é por acaso… Deixa isso ser só o que é? –responde o assincrônico contra o sincrônico!
E agora tudo ficou confuso. Estava eu despejando verborragia poética sobre as maravilhas das sincronicidades e de repente as nego, como possível estraga prazeres? E aí você pergunta: essas duas coisas não são antagônicas? A sincronicidade que pede que se entenda que tudo tem conexão e significado, ou a assincronia, que diz que eventos são o que são em si, perfeitos em sua desconexão.
Eu te dou uma resposta quântica, ou seja, distante do determinismo de nossa dualidade, nosso racionalismo binário que só respira em zeros e uns, que cobra um sim ou um não. Eu te digo sim e ao mesmo tempo não, pois temos a capacidade esplendorosa de viver em um contraponto de vozes paradoxais, um oxímero que vorazmente pulsa: a coisa é só o que é, a coisa não é só o que é… Conseguiríamos viver os fatos das duas maneiras sem que uma anule a outra? Esse é o objetivo…
Brincamos com os dois porque os dois dão prazeres diferentes… e no final das contas somos todos hedonistas, buscamos o deleite…Ficar sem um dos lados é se empobrecer… unindo os dois, seguimos cada vez mais ricos de possibilidades, única utilidade absolutamente necessária a meu ver a qualquer filosofagem, como essa que impus a vocês…
Prestem atenção no fluxo e prestem atenção na coisa em si…. essa é a porta de entrada de uma nova vida, mais rica e interessante.
Sincronifilia é também um perigo. O vício em apregoar significado a tudo, como se fosse parte de algo maior, acaba por ter um efeito contrário, tirando o significado da coisa em si.
Uma parte prática
Sendo um amante inveterado das sincronicidades há muitos anos, acabei por além de analisá-las a fundo analisar a mim mesmo frente a elas. Existe um perigo para quem tem esse vício que é o de forçar que algo banal e bem provável de acontecer, perfeitamente explicável racionalmente, seja uma sincronicidade. Por esse motivo, identificar uma sincronicidade legítima é uma arte que necessita em primeiro lugar de muito bom senso, inteligência, acuidade, um cálculo intuitivo de probabilidade, um rigor honesto na utilização da lógica. Quanto maior for a nota de improbabilidade que você deu a uma coincidência, mais o universo esmerou-se em chocá-lo, em chamar tua atenção, mais estamos de frente com uma real sincronicidade… Mas é imprescindível que sejamos sinceros nessa nota, sem colocar a vontade e ou angústia de que seja assim ou assado em cima dos eventos. Para isso os dramas e medos sentimentais precisam ficar de fora. Lembrem-se sempre que os condicionamentos e as fugas emocionais diminuem o Q.I. Existem sincronicidades premeditadas, onde você quer que algo seja verdade, quer que o universo diga determinada coisa… aí você mesmo inconscientemente começa a roubar, a notar e procurar demais certa coisa dizendo que está aparecendo espontaneamente de forma milagrosa em sua vida. Mentira…
Portanto não é tão fácil torna-se um verdadeiro expert na área. Inteligência e intuição são as armas essenciais para ser um bom observador, alguém capaz de dar o veredito de que estamos verdadeiramente diante de uma sincronicidade… quando não há uma explicação lógica para aquilo ter ocorrido… simplesmente impossível (o outro nome de sincronicidade)!
O contrário também é verdadeiro. Os que pouco importância dão a isso, pouco ouvem e leem do mundo, estão certos que a vida não é capaz de feedback algum. A falta de atenção com as minúcias do dia a dia, ou mesmo os grandes fatos, faz com que maravilhosas sincronicidades passem desapercebidas. Memória, concentração, valorização do momento, presença total naquilo que fazemos, uma saudável desconfiança e expectativa de que algo mágico pode ocorrer… tudo isso são instrumentos essenciais para ser um bom connoisseur, um colecionador profissional de sincronicidades.
Como você vai perceber que a vida correlacionou fatos absolutamente heterogêneos numa coisa só, ou te brindou com repetições em série absolutamente improváveis, se sua memória é incapaz de reter algo por muito tempo, ou sua cabeça criou um ruído tão grande com seu infindável encadeamento de pensamentos febris que simplesmente você não estava presente no momento onde tudo ocorria?
Somos totalmente responsáveis pelo nível de sincronicidade que o mundo nos oferece. Desde os mais estrondosos e barulhentos,dos mais intrincados aos mais surreais, até as mais delicadas, sutis, suaves e enigmáticas das improváveis coincidências,tudo depende de nosso grau de desenvolvimento, atenção e retenção … dos quase sem graça aos verdadeiros milagres, eles podem brotar em todos os sabores e gêneros, mas sempre dentro do que somos capazes de absorver, de entender, de perceber… aguçando nossas antenas, aprimorando nossos sentidos, acionando nossa inteligência e excitando nossa vontade de presenciar, o patamar de ocorrências, quantitativa e qualitativente, se eleva.
Os mais embotados estão sempre provando que essas coisas não acontecem, nos enriquecendo com suas desmistificações pouco perspicazes, ou seja, sem inteligência… Só nos resta dar risada e aconselhar uma atenção maior para que também aconteça com eles.Mesmo que a vida esteja proporcionando uma tempestade de fatos sincrônicos absurdos, a pessoa é totalmente cega, surda e muda para isso. Em seu mundo, segundo eles, não acontecem.
Sendo um amante inveterado das sincronicidades há muitos anos, acabei por além de analisá-las a fundo analisar a mim mesmo frente a elas. Existe um perigo para quem tem esse vício que é o de forçar que algo banal e bem provável de acontecer, perfeitamente explicável racionalmente, seja uma sincronicidade. Por esse motivo, identificar uma sincronicidade legítima é uma arte que necessita em primeiro lugar de muito bom senso, inteligência, acuidade, um cálculo intuitivo de probabilidade, um rigor honesto na utilização da lógica. Quanto maior for a nota de improbabilidade que você deu a uma coincidência, mais o universo esmerou-se em chocá-lo, em chamar tua atenção, mais estamos de frente com uma real sincronicidade… Mas é imprescindível que sejamos sinceros nessa nota, sem colocar a vontade e ou angústia de que seja assim ou assado em cima dos eventos.
Olá Boa noite .
Encontrei seu blog agora a pouco ,o que me chamou a atenção foi a resenha sobre o Gasparetto, e depois o conteúdo todo do portal, bem como
a forma magnifica como conduz seu trabalho ,com seus textos brilhantes e a eloquência ímpar.
Obrigado pela oportunidade de conhecer seu trabalho.Também me interesso por esse tema da sincronicidade no cotidiano,e algumas vezes eu reparei
que tive uma repetição sucessiva de números iguais onde teoricamente não poderiam acontecer, pois bem aquilo me chamou a atenção porém só se repetiu uma unica vez daquela maneira com números em especial.As outras vezes foram e são diferentes, porque acontecem com frequência. Vamos lá a situação é a seguinte, quando eu estou lendo um texto em algum site, qualquer site que seja, minha leitura vai fluindo normalmente e de repente ao ler uma determinada palavra ,essa mesma palavra é dita por alguém que está falando na televisão,seja um apresentador, um repórter ,uma personagem .Enfim falamos a mesma palavra juntos ,ma mesma hora em que as leio.Fico impressionado, como isso está acontecendo com frequência. Você me diria que isto é uma sincronicidade ou simplesmente um fato aleatório que se repete por uma simples banalidade ?
Gerson. muito obrigado por suas palavras, significam muito. O fato de alguém falar algo no exato momento que vc lê a mesma palavra não é algo banal, principalmente se isso vem se repetindo com frequência. Acredito que vc atingiu uma fase de grande apreço ao sincronismo, está atento, e pela minha experiência o universo começa a falar mais desse modo com vc, ele tem sua atenção, sabe que vc dá valor a essas “coincidências” e sabe que poderá te sublinhar dessa forma. Uma suspeita que tenho é que existe um duplo de nós mesmos deslocado no tempo, que tem um poder de manipular os fatos em conjunto com nossa atenção, criando pequenos portais de acesso a uma realidade não linear. Escreverei um artigo sobre isso em breve. Obrigado e continue prestando atenção…