O filme vale para qualquer tipo de certeza absoluta: da ciência, da política, das práticas éticas e sociais, das idiossincrasias pessoais… funciona como uma metáfora para todo o ser obsediado por certezas, mas que muitas vezes no íntimo não sabe onde por sua fé…
Mostrar certeza nesse mundo é considerado sinal de sabedoria. Vende-se constantemente a ideia do guru que se iluminou e que, portanto, tudo o que fala é direto da essência da vida, da criação… Se ele ouve Deus então questionar é heresia. Quem leu muito, pesquisou várias fontes e não se manteve em uma só doutrina, percebe que cada um ouve um deus diferente, com sua bagagem própria de dogmas… portanto, ser fiel a um é ser herege com milhares de outros. Não importa o que você faça, em alguma religião do mundo você é um herege. Mesmo se tentar ficar sem se mexer ou falar nada, alguém vai dizer que você está pecando por não rezar, agir, ajoelhar, multiplicar…
A palavra “heresia” vem do grego e significa apenas “escolha”. Mas foi o cristianismo que popularizou a ideia de que essa escolha poderia ser uma ofensa à Deus. No ano de 385 depois de Cristo o primeiro herege foi executado. Chamava-se Priscillion e foi acusado de ter praticado magia. Mais tarde seus acusadores e executores foram perseguidos pelo próprio Papa que considerou que erraram no julgamento. O homem já tinha sido morto. O primeiro a ser considerado herege depois não era mais herege. E a coisa nunca mais parou.
Com toda a história de incertezas e erros, por séculos e séculos, ainda sim mostrar que sabe como o mundo funciona parece ser um status imprescindível para os místicos e “sábios”. Muito mais sábia é frase: o problema do mundo é que os mais idiotas estão cheio de certezas e os mais sábios cheios de dúvidas. Li o prefácio de um livro que dizia assim: “…a autora mostra que realmente entendeu como funciona o mundo e sabe ler sua linguagem”. Nossa, ela entendeu o mundo, só isso… Para vender livros ou dar palestras… é só nessa hora que vemos alguém com tamanha certeza de que compreendeu o universo.
Somos chamados a dar opinião sobre tudo, mesmo quando não temos informações suficientes para tal. Dizer “não sei” parece ser uma vergonha, uma derrota. Alguém que não se posiciona. Todos parecem ter certeza da vontade de Deus. Mas o próprio nunca aparece para dizer: “olha gente, a coisa é assim e assim…”. Ficam todos se debatendo sobre o que O ofende, o que Ele disse, o que Ele quer…o que é heresia. E procuramos profetas pela vida afora, alguém que saiba o que Ele quer. E para o nosso desespero, é como ir no médico: cada um diz uma coisa, para cada profeta um Deus que pensa diferente… para muitos nem há um Deus. E aí lembramos que a própria ciência tornou-se cautelosa ao afirmar algo: o que antes eram “leis” (época de Newton) agora são apenas “teorias” (época de Einstein). O que antes eram “provas” agora são apenas ”evidências”. A qualquer momento tudo pode cair por terra…
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