Triste dizer, mas na consulta seguinte ele não apareceu. Estava ansioso para saber os resultados do fruto. Mas mesmo um mês depois não recebi notícia. Resolvi ligar para sua residência, mas sua esposa me informou que ele a abandonara, saíra de casa e estava vivendo numa comunidade estudantil.
Infelizmente vim a entender depois que uma das opiniões que veio a mudar radicalmente nele foi a de sua idéia sobre mim e nossas consultas e pesquisas psicológicas. Lembro-me que tinha uma grande admiração pela minha cultura e inteligência e meu trabalho, repetia isso com frequência, mas agora quando o procurei, pediu para desculpar sua sinceridade, mas me considerava um idiota completo.
Não quis mais saber de nosso estudo e não consentiu em cooperar. Mas não encerrei o caso. Em sua pasta anotei todas as mudanças que pude notar naquele breve contato. Agora ele me parecia uma pessoa mais rude, mais simples, só que mais certa de si. Não aceito qualificar as mudanças como boas ou ruins. Apenas as observo como inevitáveis.
Segui minha vida com meus outros pacientes. Cinco anos depois, Fábio me procurou.
Sua opinião sobre mim mudara de novo. Interessante notar que sua memória era excelente. Suas novas opiniões não eram baseadas em esquecimentos e pequenas lembranças como as nossas, mas por reviravoltas radicais e sem explicação. Apareceu no consultório com uma pergunta que me desconcertou. Lembrava que havia me procurado, mas não entendia por que na época achava ter que comer o fruto e mudar de opinião uma coisa ruim. Lembrava de ter feito isso, mas não acreditava. Contou-me que mal podia esperar para comer o fruto de novo. Amava esse revigoramento súbito que corroía de uma só vez suas velhas e arcaicas opiniões sobre tudo. Indaguei se não tinha medo por essas mudanças serem tão arredias ao seu controle ao que ele me respondeu que é isso que as fazem interessantes, selvagens, imprevisíveis, sensuais.
A diferença de sua opinião sobre a mudança de opinião me desconcertou. Não sabia como tratar de um paciente cujos problemas se invertem tão radicalmente. Estava acostumado com pessoas com um só grande problema do dia que nascem até o dia que morrem. Mas ele queria muito saber o por que tinha sofrido tanto antes com sua, agora a chamava assim, bênção: o fruto que nasce em sua cabeça.
Logo me lembrei de sua ex-esposa. Contei como a amava e sofria em pensar que um dia isso sumiria. Ele disse que se lembrava bem disso,mas não conseguia mais entender. Encontrava-a todas as semanas quando ia pegar os filhos. Ficava as vezes pasmado olhando para ela por horas tentando captar de novo aquele sentimento que tinha antes. Lembra que achava tudo o que ela fazia lindo. Seu coração tremia quando ela sorria. E lá estava ela com o mesmo sorriso, os mesmos gestos, mas era só um sorriso, eram só gestos como de todas as outras pessoas. A mesma coisa com seus velhos amigos. Não lembrava mais por que certas piadas eram tão engraçadas. Por que as ideias que antes compartilhavam eram tão motivadoras e agora pareciam oriundas de um livro de segunda classe num sebo de uma rua decadente.
Interessante notar que uma de suas novas opiniões era a de que era importante saber o porquê que ficava antes triste com o fruto. Em sua penúltima rede de opiniões, ele parecia estar se lixando em analisar o porque das coisas e estudá-las. Até isso mudava muito. Agora ele gostava de comer o fruto, mas ao mesmo tempo queria saber porque antes não gostava. Intrincada rede de relações cambiantes.
Apiedei-me daquele homem ali na minha frente. Ele jamais conheceria o verdadeiro amor de um homem por uma mulher. Seu sentimento estava por demais comprometido com redes de opiniões, novidades e flutuações sazonais. Não saberia que as amizades sobrevivem mesmo quando nada em comum mais resta.
Mas julguei-o com pressa inadequada e injusta. Soube por terceiros que após comer o fruto seguinte, o amor por sua ex esposa voltou com toda força. E o mais bonito de tudo foi que na época seguinte, quando tinha que comer de novo para sobreviver, recusou-se terminantemente. A esposa que não o recebeu de volta, pois já se casara novamente, chorou ao saber que ele morrera por uma opinião, de que manter seu amor por ela era mais importante que tudo. Preferiu morrer a deixar de amá-la novamente. Seu amor seria seu único ponto de não mutação. Sua verdade. Assim decidiu ele.
Escrevi na pasta de Fábio que de alguma forma talvez o fruto não conseguisse de forma verdadeira alterar certas opiniões, mas conseguia confundi-las com outras, criando uma nuvem de caos e promessas de novidade. Mudar de opinião para sobreviver era a sina de Fábio. Ele decidiu não se adaptar a isso por amor a uma mulher. Ou talvez essa tenha sido somente uma última e equivocada opinião. Equivocada não, uma opinião apenas. Talvez amor. Minha opinião já não importa mais.
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