JJúlia e Nathan decidiram se casar num tipo de cerimônia muito rara que poucos até hoje se atreveram ou tiveram a coragem ou o amor bastante para realizar.
Seus parentes acompanharam o casamento com muito assombro e medo. A cerimônia ocorreu como narrarei a seguir.
Os dois ficaram nus, na frente de um padre extremamente idoso que entregou um punhal cheio de símbolos estranhos a cada um. Então se aproximaram um do outro e começaram a se beijar. O padre então ordenou que enfiassem o punhal no peito de seu amor, um no outro, os dois ao mesmo tempo. Seus corpos então caíram no chão. Demoraram um certo tempo para perecerem. No altar, atrás do padre, um corpo vazio esperava que a alma dos dois entrassem. Havia um recipiente orgânico para Júlia e um para Nathan, no mesmo corpo. O primeiro a abrir os olhos foi Nathan. Os presentes seguraram a respiração porque Júlia, já passados vinte minutos, ainda não dera nem sinal de abrir o seu. Todos já temiam que talvez sua alma tivesse se perdido, sem conseguir encaixar no novo corpo. Um perigo que todos sabem que correm quando optam por esse tipo de casamento. Mas finalmente ela abriu seu olho e a celebração foi geral e eufórica. Os pais dos dois choravam muito, de alívio e alegria. Júlia e Nathan era agora um só corpo. Suas almas unidas numa espécie de relação sexual-24 horas, pois era isso que sentiam. Olhando-se a foto, dá para entender melhor. Cada alma ficava dentro de um dos dois recipientes na cabeça e tinha um olho só para si. Porém o controle do resto seria dividido entre os dois.
Claro, com o tempo vieram as brigas que todo casal tem. Um queria ir pra um lugar e o outro não, o que era impossível devido ao casamento a que se propuseram. Muitos vezes sentiam no próprio corpo, que o outro teve uma atração por alguém de fora. Brigavam feio, mas depois tudo voltava ao normal. Nunca deixaram de se amar profundamente e não se arrependeram de um casamento tão radical..
Mas um dia aconteceu. Júlia faleceu.
Nathan achava que compartilhando do mesmo corpo, os dois morreriam juntos, que era o que ele sempre sonhou e achava que ia ser lindo. Mas o padre explicou a Nathan, que cada alma tem seu destino próprio. A hora de Júlia partir chegara, a dele não. Por mais que tentemos fundir duas almas, elas sempre serão independentes.
Nathan me procurou porque se sentia sozinho. Certos dias chegava a ser desesperador. Mostrou as fotos e o filme do casamento. Me arrepiei de ver o momento em que abriram os olhos no novo corpo. Tudo muito bonito.
Mas realmente agora era muito triste olhar para ele. O olho de Júlia, como não poderia ser diferente, permanecia sempre fechado. E o dele quase sempre cheio de lágrimas.
Disse uma coisa a ele que acabou por dar força pra continuar a viver. Ele para mim era um símbolo andante, de carne e osso, da saudade humana. Ver aquele olho do seu lado fechado, era um monumento a todos aqueles que se sentem incompletos porque perderam seu grande amor. E por mais que os grandes sábios nos aconselhem a não ter apegos porque tudo e todos na vida são passageiros, queremos em verdade que eles vão a merda todos eles, porque nada é mais bonito que a palavra saudade. Sem apego jamais haveria saudade. Seríamos indiferentes uns aos outros!! E como amamos certas pessoas!!!! E como isso é verdade das mais verdadeiras!! Sentimos em cada fibra de nosso corpo a falta daquela pessoa. E quem pode diminuir a beleza disso? Não existe nem uma obra de arte no mundo sem saudade.
Triste é aquele que não sente saudade de ninguém.
Nathan escreveu um livro sobre sua vida no mesmo corpo com Júlia. Tornou-se um de meus amigos mais chegados. Também é uma de minhas aberrações porque metade de seu corpo está morto.
Infelizmente seu livro inspirou muitos jovens apaixonados a se matarem. Tentavam unir suas almas em um outro corpo, mas não sabiam realizar a cerimônia e nem como construir o corpo-recipiente. Tentavam usar de recipiente desde cachorros mortos até aparelhos de televisão. Toda essa gente apenas faleceu, suicidaram-se sem conseguir o que desejavam. Espero que esses casais encontrem-se no céu se ele existir. Dizem que um casal logrou êxito e que vivem juntos numa árvore gigantesca, um corpo-recipiente vegetal. Não há como provar ou negar. O livro de Nathan foi proibido, mas dizem que corre por aí num mercado negro, ainda influenciando pessoas ao Hiero Gamos.
Nathan me fez um pedido pessoal para que eu incluísse no livro apenas fotos de quando Júlia estava viva. Talvez numa edição futura eu inclua algumas com a esposa já morta para vocês apreciarem a tristeza do olho permanentemente fechado e a beleza da saudade estampada no olho de Nathan. Por agora decidi atender seu pedido para não estremecer nossa amizade que tanto aprecio. Mas sinto que vocês estão sendo privados da experiência completa do caso. Espero que entendam e que aguardem novidades para o futuro.
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