-A senhora lembra então de seu problema com seu ex-namorado, o motivo pelo qual me procurou?
-Nossa doutor, o senhor viaja. Quem te falou isso? Eu vim aqui porque ando me descobrindo uma lésbica, e não tenho coragem de assumir isso. Ando com muita depressão em não conseguir expressar o que sinto pelas mulheres que amo. Queria sua ajuda, para conquistar essa coragem de ser quem sou, uma lésbica.
-A senhora tem certeza que é uma lésbica? Eu estou meio confuso!
-Claro que tenho doutor! Eu sei muito bem qual é minha orientação sexual, não é esse meu problema. O problema é assumir entende? Morro de medo da reação das pessoas, principalmente de meus pais.
-Ok, vamos trabalhar encima disso então. Eu acho que sofremos muito mais pela antecipação mental que fazemos sobre as consequências das coisas. Muitas vezes é só imaginação descontrolada.
-Só um instante doutor.
Pro meu horror ela deu mais um impulso com a cabeça para trás.
-Pronto doutor. Eu estava associando essa sua frase de controlar a imaginação descontrolada àqueles livros de auto-ajuda e gurus indianos e que por sinal estavam associados em mim a picaretagem. Agora associei essa sua frase a algum ensinamento mais profundo da ordem dos templários, pelos quais nutro nesse momento um certo respeito. A frase me soou sábia agora doutor, parabéns.
-Muito bom. Então o próximo passo é visualizar internamente a senhora contando a seus pais que é lésbica e recebendo só amor e compreensão deles…
-O que? O senhor é louco! Não gosto de psicólogo que faz piadinhas. E se não for uma piadinha, fique o senhor sabendo que não tenho nenhuma tendência homossexual!
-Dona Kelly está difícil!
-Está bem, eu vou mudar minha idéia sobre psicólogo que faz piadinhas…só um instante…
Tentei dizer que não era isso o problema, mas ela já havia dado o impulso com a cabeça.
-Pronto doutor, pode fazer suas piadinhas que eu associei quem faz isso à idéia de uma pessoa maravilhosa que vive a vida com leveza.
-A senhora sabe por que me procurou? Antes de me responder Dona Kelly, eu peço que por misericórdia não mais impulsione sua cabeça, por favor. Isso tem dificultado nosso trabalho aqui enormemente.
-Claro doutor. Não estou vendo nenhum motivo para mudar minhas idéias, estou muito satisfeita.
-Então me conte, o que a trás aqui?
-Eu estou apaixonada pelo senhor, me possua por favor, agora…
Veio ao meu encontro subindo sua saia e tentando me agarrar, eu gritei:
-Por favor Dona Kelly, impulsione sua cabeça imediatamente para trás.
Não imaginei que me contradiziria assim, e tão rápido. Aquela mulher era difícil. Ela não acatou minha recomendação e tive que pegar sua cabeça e eu mesmo a força impulsioná-la para trás. No desespero, dobrei sua cabeça várias e várias vezes e com muita força. Ela se assustou e depois sentou-se num silêncio profundo. Esperei alguns instantes e então perguntei:
-A senhora está bem? Me perdoe ter impulsionado sua cabeça, mas não vi outra solução.
-Quem é o senhor? Aonde estou? Quem sou eu?
A coisa estava ruim, muito ruim. Os impulsos que eu dei em sua cabeça deviam ter detonado qualquer associação coerente de idéias dentro dela.
Conversando um pouco com Kelly, percebi que não associava mais nada a nada. As idéias em sua mente careciam de ligação umas com as outras e ficavam numa espécie de limbo, ilhas flutuantes que não se contactavam. Qualquer palavra que eu dizia não era associada a um sentimento ou a uma memória. Tudo parecia ter se desconectado de repente. Estava tudo numa abstração abstrata. Ela sabia o que era um sorvete, mas não sabia se gostava ou não, ou se tinha alguma experiência com ele. As palavras eram só palavras, não tinham mais uma relação com ela. Ela mesma parecia impessoal a ela mesma, uma anônima completa.
continua…
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