Sobre o autor

Quando era pequeno eu estragava todos os meus brinquedos. Lindos e caros carrinhos motorizados eram impiedosamente estraçalhados com um martelo… Eu queria muito ver o que tinha dentro, como a coisa funcionava. Só brincar estava longe de bastar para essa estranha criança… Amava todos os filmes que tivessem algo de sobrenatural, algo que parecesse estar por detrás da cortina da vida… Sempre achei que tinha que quebrar alguma coisa no dia a dia pra poder ver como tudo funcionava, que artifício estava atrás de tudo isso, mas não sabia aonde usar meu martelo.

Mais tarde aprendi com Nietszche a filosofar com o martelo… Aprendi onde bater primeiro. Estilhaçar crenças e dogmas arraigados em mim e nos outros para ver o que tinham dentro passou a ser uma obsessão.  Tantas coisas na vida me pareciam falsas, algo armado por alguém, não pareciam naturais. Mas a vida estava lá, já pronta, posta para todos nós. As profissões eram aquelas, em alguma eu deveria me encaixar, ainda que partes importantes de mim fossem decepadas. Casar era uma lei absoluta, filhos em seguida. Os salvadores de nossa alma eram aqueles, e os livros sagrados já escritos há milênios. A ciência estava lá para me dizer isso é real isso não, é assim que funciona… A política me dizia que existem duas opções:  comunismo ou capitalismo… Roupas e cortes de cabelo era só copiar dos outros em volta, a música que eu deveria ouvir era só ligar o rádio. O que comer estava nos cardápios e o que acreditar também. Se quisesse saber o que está acontecendo no mundo de verdade era só ligar a TV. Que bom que alguém já tinha deixado tudo pronto pra mim para quando eu nascesse, não precisei ter trabalho nenhum de pensar. Só precisei de um martelo e um tanto de força…

Tem gente que nasce e vive a vida como ela se apresenta, cumprindo as suas “obrigações” e “desejos” (nem sabem se essas obrigações ou desejos são mesmo legítimos) sem questionar o porquê de tudo aquilo. E tem gente que nasce com um bichinho diferente que rói por dentro (que frase antiga). Quer desesperadamente ver o que está por detrás e mesmo que seja impossível de saber, continuará tentando entender mais e mais até a morte.  É a única opção.

“Mas porque isso é assim? Porque essa palavra quer dizer isso e não aquilo? Essa língua em que penso me limita? Porque as pessoas casam, porque trabalham nisso, porque são céticas ou crentes? Porque o céu não cai na minha cabeça, porque a matéria vira energia e a energia vira matéria? Porque, porque, porque…

Com doze anos eu estava lendo “Dogma e Ritual da Alta Magia” de Eliphas Lévi. Com quatorze fazia a brincadeira do copo com os amigos, invocando espíritos, e dava mini palestras de coisas que eu não entendia absolutamente nada, mas amava falar… Comprava livros sobre tudo, fazia cursos, perguntava a todos que eu pudesse o que sabiam sobre a vida… Sempre olhando para o céu para ver se os que estão por detrás se descuidam na hora de colocar o cenário e eu descubro algo. Sempre de frente para a árvore de Natal para ver quem é mesmo que coloca os presentes lá…

À custa até das coisas mais práticas da vida, as necessidades mais emergentes, segui batalhando dia após dia: mais um livro para ler, mais horas para meditar, mais exercícios esdrúxulos, mais palestras, mais cursos… um TOC por descobrir mais e mais.

Sempre dei risada das pessoas que me diziam que não são como eu, são mais “pé no chão”, não ficam filosofando… Elas são “pé no chão”, mas em que chão exatamente? Não sabem que existem milhares deles…  Que a solidez desse chão delas é tão evanescente como uma brisa. Descobrem isso todos os dias inconscientemente, sentem no coração o vazio, mas continuam afirmando que é um chão firme, que as sustentam.  São realistas…  O pé no chão delas é estar inteiramente atormentadas por lembranças do passado e ansiedades do futuro. Não percebem que a única coisa que não tem é “pés no chão”… o presente é uma região inexplorada. Essa nossa mente, essa coisa que pensa dentro de nós, impossível de controlar, sempre foi uma de minhas vítimas prediletas (e eu dela, muito mais)… Vontade constante de martelar meu crânio e espalhar os miolos por todos os lados para dizer quem é que manda aqui, e ver porque um se junta com o outro para me tirar do aqui e agora, e do serio!

O único bom motivo de toda exploração e o que a valida é estar mais e mais vivo, aqui e agora, mais real, mais natural, menos iludido com falsos “pés no chão”, condicionamentos travestidos de livre arbítrio… A verdade mais profunda sobre tudo sempre como guia, e não consolos momentâneos e falsos. Eu desejei desde de sempre ser livre, era isso, sempre foi…

A criança que quebra tudo com o martelo ainda está aqui, fazendo sua arte, mas aprendeu também a reconstruir com a caneta – escrevendo e repensando – os estilhaços de si mesmo, armando mosaicos intrincados  de preciosidades encontradas pelo infinito caminho de desconstruir-se e reconstruir-se novamente (com fragmentos não tão encaixáveis assim). As partes jogadas fora permanecem como importantes degraus na escalada rumo ao mais real, para poder chegar até o projetor desse filme todo, que eu sempre quis ver quem é e como faz. Eu também quero criar…

Bom martelo e boa caneta a todos.

(Como é de meu costume, o “sobre o autor” só filosofa e não diz nada de prático do tipo “data de nascimento”, “profissão”, “quais faculdades”, “títulos”, “conquistas”, “casado/solteiro”, “situação bancária atual”…todos os rótulos necessários para vocês poderem me categorizar e me dar ou não valor, para saber se o que falo “vale”. Meu objetivo vai mais além: quero que meus textos se bastem por si só como intrinsecamente interessantes ou não, sem necessidade de valor agregado para os “dourarem”. Ok? “Quem é que está falando” aqui nesse site é o de menos… E sempre será! )