Uma volta ao Mundo em 24 Horas de Pães

Uma matéria desenvolvida a partir de uma etmologia.

Poucas pessoas sabem o significado da palavra “companhia”. Ela é formada pela união de duas palavras do latim: “cum” e “panis”, ou seja, literalmente significa “com pão“. “Companhia” é estar com alguém para comer pão, repartir o pão com alguém.

       Hoje vamos comer um pãozinho na companhia do mundo todo. Vamos celebrar esse elo em comum entre toda a humanidade, essa paixão mundial. Vamos usar o pão para brindar. Você me faz companhia?

Somos todos Iguais, Somos todos Diferentes

      Se essa matéria procura salientar como é importante enxergar e celebrar como somos iguais nesse hábito pré-histórico de amar nosso pão de cada dia, ela também procura evidenciar que somos todos diferentes. Em cada mínimo lugar do mundo, sua gente tem seu jeito particular de fazer o pão. Respeitar todas a nuances, o jeito de cada um, é entender a riqueza do diferente e como isso nos afeta positivamente. Por isso gostamos de viajar, para encontrar diferenças. Mas vamos constantemente nos chocar com o fato de que mesmo no mais alto extremo de distanciamento com algum ser desse planeta, ainda sim, somos também iguais.

Como só farinha e água puderam tornar-se milhares de variedades? Como só células, ossos e carne puderam tornar-se bilhões de variedades?

Do primeiro país a receber o sol e um novo dia, até o último!

Vamos acompanhar o Sol. Desde o primeiro lugar do mundo a recebê-lo até o último. Onde é o primeiro lugar do mundo a receber um novo dia, o primeiro nascer do Sol? E qual o último? Durante as 24 horas de um dia, sempre tem alguém acordando para tomar seu café da manhã, sempre tem pão assando no mundo, sempre tem alguém que acordou antes do nascer do Sol para que outros comessem um pão quentinho… A rotação terrestre é um movimento que a Terra realiza em torno de seu próprio eixo, ou seja, é o movimento giratório do nosso planeta, como se fosse um pião girando em pé! Esse movimento é muito importante para nós, pois ele é responsável pela existência dos dias e das noites. Só que hoje você verá 24 vezes o Sol nascendo, pois estaremos sempre acompanhando e alcançando a Terra no exato ponto da rotação onde trevas se tornam luz. Vamos ver o mesmo astro rei sobre toda a humanidade, acordando cada povo para comer seu pão…

A unidade é a variedade, e a variedade na unidade é a lei suprema do universo.

                                                                                       Isaac Newton

Compulsão Infinita para Criar

O pão obviamente não é encontrado pronto na natureza. Ele é símbolo da necessidade e capacidade do ser humano de transformar as coisas, de não só comer para sobreviver e só pegar o que está à mão, mas comer com nuances, com criatividade, em busca de novos sabores e experiências. Mesmo após anos e anos vivendo nesse planeta, sentir um sabor que nunca antes havíamos sentido é sempre um momento mágico. É para isso que vivemos… para chegar no inusitado, no outro.

             Se alienígenas avançadíssinos pousassem na Terra hoje e perguntassem “e aí humanos, o que vocês fizeram de bom esses milênios todos?”,  eu colocaria uma toalha na mesa e responderia: “senta aqui querido que vou te fazer “companhia”, come essa coisa quentinha que saiu do forno agora…” e ficaria dias e mais dias servindo a incalculável variedade de pães, explicando a ele que estes nasceram de nosso convívio, de nossos choques… “Mas vocês se odeiam” replicaria o arrogante alienígena antes de provar o pão, e eu diria, “quem se odeia não cria e compartilha tanta coisa junto, não fica se aglomerando tão obstinadamente como nós…” Já com a boca cheia de pão ele se calaria e a análise técnica sobre nosso planeta viraria sabor, sensação, riqueza e um querer mais…

           Um pão de queijo já seria o suficiente para justificar o mundo e absolver os homens (adulterando a famosa expressão de Nietzsche “a arte justifica o mundo e absolve os homens”).

         Essa matéria toda nasce e se expande em uma devoção à essa etmologia da palavra “companhia “. Hora a hora, a cada novo Sol que nasce em um novo fuso horário do mundo, vamos constatar o quanto amamos que existe o diferente, o outro, o quanto nos fascina. Apesar de parecer que há mais intolerância do que apreço pela alteridade, essa matéria ajuda a ver que nos amamos loucamente. O ímpeto para viajar, de amar a casa e também de sair dela…de encontrar casa no estranho, no longe de nós.

        Se todos fossemos iguais não teríamos companhia. Até discutir nós queremos, precisamos de alguém para roçar nossas ideias. A cada metro andado nesse mundo existe um novo jeito de fazer pão. Pode ser um mero “sotaque” em relação ao anterior, mas já tem o milagre do diferente.

       O fato de as coisas se desviarem cada vez mais do original tornando-se outra é motivo de celebração. Amamos também manter o original intacto porque não queremos perder uma migalha daquilo que em si é único.
A riqueza cultural desse planeta é indescritível… Amamos, portanto, tradição e inovação.

       E ninguém gosta de comer sozinho… Os grandes chefs do mundo ou as pessoas que cozinham em casa querem o outro. Gostamos de fazer um pão para compartilhar, para ter companhia… Estamos na companhia de 7 bilhões de pessoas nessa casa-planeta, e podemos embasbacados testemunhar o que cada canto desse mundo trouxe de novo pela mescla, influência, variação e choques voluntários e involuntários…

      Essa matéria te fará companhia por alguns instantes… Fará ver que o ser humano não mede esforços para ter seu pão… Não importa o quão difícil seja o lugar onde está, sua criatividade e engenhosidade vence…  e que mesmo que pareçamos rabugentos e egoístas, não medimos esforços para estarmos juntos, para curtir o que o outro foi capaz de inventar… queremos experimentar seu pão, o jeito que você faz, queremos sua companhia, queremos diferença, compartilhar.
Jamais vamos conseguir ser opostos entre nós porque coisas demais nos unem… o que alguém criou há 20 mil anos ainda pode fazer parte da minha vida hoje… Não existe uma cultura pura, não existe uma era isolada… existe o constante misturar, influenciar e ser influenciado, nutrir e ser nutrido… Somos todos iguais, somos todos diferentes… Eis uma riqueza deliciosamente paradoxal. No sabor de um simples pãozinho moram miríades de histórias do nosso planeta… lutas, atritos, compaixão, lágrimas de dor e alegria, sonhos e aspirações e uma vitória secreta de algo que não existia antes e agora preenche o nosso momento, um sabor.

      Vamos partir…

Hora a hora, a cada novo sol que nasce em um novo fuso horário do mundo, vamos constatar o quanto amamos que existe o diferente, o outro… o quanto nos fascina. Mas junto, a cada pão, uma sensação de casa, um estranho pertencimento mesmo que em terras distantes…

                                                                                       

Kiribati 

O Primeiro País do Mundo a Receber um Novo Dia 

São 6:10 horas da manhã e o Sol está nascendo em Kiribati. Em Brasília são 15:10 horas do dia anterior. Como mostra a linda bandeira, Kiribati se orgulha de ser o primeiro país do mundo a começar um novo dia. Estão à frente de todo mundo no mapa.  Vamos comer nosso pão em um típico bangalô na praia, na capital Tarawa. Sendo composto por 33 pequenos atóis, o país possui poucos recursos naturais. Não existem plantações de trigo e, portanto, a farinha é importada. Mas o pão nunca falta… Em todos os hotéis e casas o dia não começa sem ele. Com uma alimentação baseada na pesca e em frutas locais, a farinha é praticamento o único produto alimentar que os quiribatianos fazem questão de importar, sendo o Brasil um dos países  que exportam o produto para lá.  Com 120 mil habitantes, o país é considerado o mais suscetível à mudanças climáticas e corre o risco de desaparecer devido ao aumento no nível dos oceanos. Cada novo dia, cada novo nascer do Sol, é uma vitória por aqui… Somos os primeiros a comer o pão no planeta!     

Nova Zelândia

Pão Maori – Símbolo da Mistura de Culturas

São 6:28 horas da manhã e o Sol está nascendo na Nova Zelândia. Em Brasília são 16:28 horas do dia anterior e em Kiribati 7:28. Aqui encontaremos vários pães típicos e únicos do país. Vamos experimentar – nesse segundo nascer do sol para nós – o mais famoso deles, o Takakau -Maori Rewena Paraoa, que tem origem na tribo Maori, que compõe 17 % da população total do país. O diferencial desse pão é uso do amido contido na batata  como um fermento natural,  processo descoberto pela tribo. Adicionado à farinha e à água, resulta em um sabor sem igual. Com o restante da população sendo de origem européia, esse é um lindo exemplo de uma cultura que foi abraçada pela outra, pois é de longe o mais consumido no país. Para os neozelandeses, nenhum pão é tão bom quanto o Takakau

Além do Pão

Todas as mulheres da tribo Maori fazem uma tatuagem similar que vai da boca ao queixo, denominada moko kauae. Em 2021, Oriini Kaipara tornou-se a primeira mulher a apresentar um jornal de notícias na televisão neozelandesa. 

Taiwan

País Vencedor da Copa do Mundo do Pão 2022

São 5:55 horas da manhã e o Sol está nascendo em Taipei, capital de Taiwan. Em Brasília são 16:55 horas do dia anterior. O pão, ou os pães escolhidos para provarmos aqui, é da equipe que venceu a Coupe du Monde de la Boulangerie realizada em Paris em março de 2022. Quando pensamos em pão, Taiwan não é um país que nos vem à cabeça, e de fato, até 1960 o país não tinha o costume de consumir pães, o que dirá estar entre os melhores do mundo em qualidade de produção. Tudo mudou quando o congresso dos Estados Unidos aprovou uma ajuda financeira ao país há sessenta anos. Em meio a esse processo de ajuda, dois chefs locais,  Xu Hua­qiang and Xu Gui­lin, foram enviados para o  American Institute of Baking em Manhattan, onde aprenderam a arte com os padeiros americanos. De volta ao país, fundaram uma escola em Taipei que hoje é considerada a Harward dos pães por aqui. Mudou a cara do país… As padarias estão espalhadas por toda parte e até os bolos, antes inexistentes, passaram a fazer parte dos aniversários dos taiwaneses. O interessante é que não é uma cópia do que existe no ocidente. Os padeiros locais começaram a usar o que tinham de mais típico, como a quinoa vermelha, por exemplo, para criar seus próprios pães e doces. Aí está mais uma vez a riqueza do encontro de culturas diversas.  Taiwan já tem mais de 100 variedades de pães e doces típicos do país, legítimos. O mais popular é o pão de abacaxi, foto abaixo, que não leva a fruta, mas tem esse nome devido ao seu formato. Com uma camada externa de cookie, o pão é o vício dos taiwaneses. O mais fantástico dessa história é que a rede de padarias taiwanesa85C Bakery Café” é um sucesso nos Estados Unidos. Com mais de 60 unidades espalhadas pela Califórnia, Texas entre outros estados, o antigo aprendiz tornou-se mestre, caindo no gosto do americano. A arte foi e voltou modificada, para a riqueza do mundo.    

Kiribati - Nova Zelândia - Taiwan O 3 primeiros pães

Índia

O Altruísmo de Repartir o Pão

São 6:02 horas da manhã e o Sol está nascendo em Varanasi na Índia. Em Brasília são 21:28 hrs da noite do dia anterior. Varanasi é a cidade mais antiga do mundo das que ainda existem. São pelo menos 3 mil anos… Ela é tão antiga que costuma-se brincar que é mais velha que a própria história… Aqui vamos provar os inúmeros pães indianos de um jeito diferente. É comum dizer que o ser humano é o animal mais perverso do universo, mas os dados científicos dizem o contrário. Como o mal é muito mais comentado, não damos importância quando cientistas de dados mostram que somos o animal mais altruísta que existe.  Segundo o dicionário, altruísmo é a tendência ou inclinação de natureza instintiva que incita um ser à preocupação com o outro. Só vemos entre nossa espécie gente que vai morar sozinha na floresta para cuidar do gorilas, gente que vai morar entre refugiados para poder ajudálos, gente que adota mais de cem cachorros de rua e gasta tudo que tem e que não tem para vê-los felizes… e etc. e etc. Aqui vamos conhecer Shyam Sadhu, um homem que alimenta com pão centenas de macacos todos os dias. Preparar o pão e alimentá-los acaba por nutrir o próprio Shyam, dá propósito e alegria para sua vida. Aqui o sentido de companhia se expande ao altruísmo, que é esse milagre de ficarmos felizes por preparar o pão para alguém… Como as mães, as avós, os chefs que trabalham porque é gostoso saborear o saborear do outro. Existe um sabor especial que é dividir algo que nos esmeramos para deixar delicioso… Aqui em Varanasi vamos aprender a fazer o pão indiano para depois alimentar alguém… O prazer do chef, do padeiro, do fazedor de pão… um gosto único. Também podemos experimentar os pães nós mesmos, claro…  Mas não dá para falar de pão sem falar do prazer de prepará-lo e assim fazer parte de uma egrégora de milênios que é ainda mais antiga que Varanasi. Sujar as mãos de farinha é um ato sagrado… Calcula-se que já moemos trigo para fazer farinha e então pão há mais de 40 mil anos…

   

O sabor de ver saborear - Pão para os outros

Especial para nossa matéria

Rishikesh – Índia

Tarini Ma Dagnino, nascida na Venezuela nos enviou seu brinde direto da Índia onde mora há mais de 20 anos. Em suas mãos está o Paratha, um pão delicioso, tradicional da região onde está. Tarini é uma excepcional guia turística e leva grupos para o Butão, o Nepal, Sri Lanka e Índia, sempre com o astral nas alturas deixando tudo à sua volta mais gostoso. A companhia de uma pessoa nutritiva/divertida assim aumenta a qualidade/sabor do que se come?  Mais lindo ainda é que Tarini fundou a Shakti School of Arts for Girls em Rishikesh onde oferece educação em inglês e arte para as regiões mais pobres da cidade. Ciente da terrível discriminação que as mulheres de castas mais baixas sofrem por aqui, seu objetivo é que essas meninas se tornem mulheres fortes capazes de vencer os obstáculos sociais. Conseguiu um prédio todo para ser a escola onde além da educação fornece alimentação balanceada, livros e materiais tudo de graça.  

Monte Everest -Nepal

A Padaria mais Alta do Mundo

São 6:02 horas da manhã e o Sol está nascendo no Monte Everest no Nepal. Em Brasília são 22:45 da noite do dia anterior. Aqui iremos comer em uma padaria que está a 17.550 pés acima do nível do mar, registrada no livro dos recordes como a padaria mais alta do mundo. A dona do estabelecimento, Dawa Steven – uma alpinista apaixonada (foto ao lado direito) – teve que descobrir  métodos não convencionais para fazer os pães a uma altitude tão elevada e uma temperatura tão baixa. Com um forno especialmente criado para a padaria, ela produz diariamente os mais variados pães,  croissants, bolos, torta de maçã  e donuts.  Uma pequena multidão de alpinistas se aglomera a toda hora na entrada da tenda, aguardando uma nova fornada. É preciso comer tudo rapidamente porque o clima extremamente frio faz com que o calor do alimento se dissipe em poucos minutos… e vire uma pedra de gelo em consistência!  Comer um pãozinho quentinho em um lugar tão inóspito e agressivo traz um calor para o coração que ainda é exponenciado pela interação entre as pessoas ali, que antes da existência da padaria mal se falavam. A companhia aqui, o “com panis”, é real e intensa! Os pãezinhos fizeram gente de todo lugar do mundo se reunir e se conhecer…companhia no teto do mundo. 

Afeganistão

Pão Naan-e-Afghani – Obssessão Afegã 

São 6:04 horas da manhã e o Sol está nascendo em Cabul, capital do Afeganistão. Em Brasília são 23:31 do dia anterior. Quase todos os governos do mundo aconselham seus cidadãos a não visitar o país. Está no grau mais alto possível na tabela de perigo. Não consegui achar passagens aéreas e tivemos que fazer nosso trajeto a pé, atravessando a fronteira com o Paquistão clandestinamente. Em outubro de 2021, após saída das tropas ocidentais, o governo do Afeganistão entrou em colapso e se dispersou e agora vive sob o domínio do grupo religioso extremista Taliban. Ataques terroristas, sequestros, assassinatos, toque de recolher, violência constante contra as mulheres, obrigam estrangeiros a casarem com gente local e uma série infindável de atrocidades que não vale a pena comentar para não nos sentirmos ainda mais inseguros do que já estamos. Vamos caminhar devagar para não chamar a atenção… O objetivo aqui é – ainda sob o lindo nascer do Sol – provar o pão mais típico do Afeganistão, o delicioso Naan-e-Afghani. Até as tropas de Gengis Khan no ano de 1200, quando passavam por aqui, costumavam levar milhares deles para se deleitar durante suas viagens. Também eram os momentos mais puros e gostosos quando – em meio a tanta tensão – as tropas americanas e ocidentais eram agraciadas por padeiros locais, ou gente simples do povo, com os maravilhosos Naan afegãos. Achamos uma senhora que está fazendo o pão ali na rua mesmo e pedimos uma leva para nós. Você olha nos olhos dela enquanto ela te estende o pão já pronto e sente um carinho imenso. Parecia o lugar mais alienígena do mundo, mais afastado de tudo o que você é, de seus costumes, crenças, valores, religião, cotidiano e até vestimentas. Mas ali está uma senhora fazendo pão, tão familiar, tão igual a nós… Você dá a primeira mordida e sente um sabor novo de algo muito familiar… é pão, mas é outro. Mais uma incrível nuance, mais um tom de farinha nesse incrivelmente rico planeta. Onde há pão, há casa… 

  

   

Ucrânia

Pão Ucraniano Kolach – Símbolo da Resistência 

São 7:31 horas da manhã e o Sol está nascendo em Kiev, capital da Ucrânia. Em Brasília são 1:31 da madrugada. Aqui iremos comer nosso pão em uma fábrica danificada pela guerra que assola o país, que de dia parece abandonada, mas que a partir das 21 horas se tranforma, abrigando um intenso mutirão que se apressa a fazer a massa para o pão que irá nutrir e confortar soldados e cidadãos na manhã do dia seguinte. Apesar de o medo pairar sobre todos que se esforçam ali, a vontade de servir é ainda maior… Tornando-se símbolo da resistência, essa produção abnegada emocionou o mundo.  A Ucrânia tem sua própria língua, sua história única e seus pães típicos. Aqui vale ainda mais o motivo maior desse artigo: frisar que apesar de sermos iguais, somos diferentes e nenhuma cultura deve prevalecer sobre a outra. Reconhecemos sua individualidade e nos sentimos mais ricos por ela existir. Kolach é um dos maravilhosos pães ucranianos, sempre feito com um furo no centro para que se coloque uma vela, que simboliza a luz,  o caminho do bem e a esperança. Aqui vale uma oração para que tudo se resolva rapidamente. Antes de partir o lindo pão, olhamos para a vela no centro iluminando o alimento como um pequeno sol, e entoamos um Pai Nosso, pois estamos em um país cristão. Ali, naquela fábrica clandestina de pães, a hora em que dizemos “o pão nosso de cada dia nos dai hoje” ganha uma relevância infinita. Emocionante… Comemos então o pão dando um valor indescritível ao sabor, ao momento, à ocasião, aos irmãos ucranianos que vararam a noite. O Brasil tem a quarta maior comunidade ucraniana do mundo. A guerra causou uma escassez de trigo por todo mundo, pois a Ucrânia é uma das maiores exportadoras. Estamos todos irremediavelmente conectados e tudo que acontece em um país repercute em todos.   

 

Alemanha

O País do Pão – Mais de 3.200 Variedades de Pães Típicos

São 7:47 horas da manhã e o Sol está nascendo em Berlim na Alemanha. Em Brasília são 2:47 horas da madrugada. Muita gente não pensa em Alemanha quando o assunto é pão, pensa em França ou Itália, mas a verdade é que nenhum outro país no mundo tem tantas padarias e tipos próprios de pães. E o consumo por pessoa também é o maior. São mais de 3.200 tipos de pães oficialmente reconhecidos no país! A cultura de pão da Alemanha foi oficialmente adicionada pela UNESCO á lista de Patrimônio Cultural Imaterial em 2015.

Pão aqui é coisa séria! Para garantir a qualidade dos pães, o Deutsche Brotinstitut controla a qualidade dos produtos. As padarias, enviam suas produções para serem avaliadas. Uma espécie de Inmetro do pão! Cerca de 100 quesitos são levados em conta para que o alimento passe no rigoroso teste, mas 4 deles são obrigatórios:

  • Pureza e qualidade da farinha

  • Modo de preparo da receita

  • Habilidade do padeiro

  • Tempo de descanso da massa, nunca menos de duas horas.

Aqui faremos uma degustação em massa (palavra com duplo sentido aproveitado), pois seria um sacrilégio escolher só um entre 3.200… Mas o Pretzel é sem dúvida o mais divertido pão alemão! Sua forma lembra uma união entre opostos com um entrelaçamento ao centro. Esse elo ao centro parece celebrar a unidade. Braços dados de amizade… Abaixo vemos – através de um Pretzel – um dia de comemoração à queda do muro de Berlim. Uma importante metáfora e símbolo de queda de muros entre nós, especialmente criada para a matéria. Dizem que esse pão traz sorte e prosperidade. Um viva ao Pretzel! 

Pretzel Paixão Alemã

França

Onde Você Come o Pão

São 8:21 horas da manhã e o Sol está nascendo na Cidade Luz, em Paris na França. Na cidade tida por muitos como a mais bela de todas vamos considerar o seguinte: não é só o pão que você come, mas onde você come. Poderíamos só falar dos maravilhosos croissantspain au chocolat, baguette, pain Poilâne e etc., mas a equação não ficaria completa. Pode fazer parte da grande loucura humana, mas o sabor de um pão não é o mesmo se você come em um lugar qualquer ou em Paris. Pode ser o mesmo pão, mas não é… Toda a beleza, requinte e atmosfera mágica dessa cidade estão lá misturados à farinha, à água e ao sal … Vamos juntos então escolher um bom pão, mas que seja  fundamentalmente às margens do Sena, com o sol nascendo mais uma vez sobre séculos de arte, de história e deleite. Escrever ou pensar muito aqui seria estragar o momento…

Um brinde de pão em alto estilo… O gosto de um croissant não é definido apenas por sua composição, mas por tudo aquilo que está à sua volta. Salut!

 

Especial para nossa matéria

Hôtel de Ville – Paris – 

O melhor guia de Paris, o querido @cidnogueiraquadrosfilho nos envia especialmente para nossa matéria o pão que vai comer hoje, da sua padaria preferida na cidade: a Ernest & Valentin. O cenário atrás dele é da prefeitura de Paris, o majestoso Hôtel de Ville.  Podemos ver atrás que a prefeitura já está com o símbolo das Olimpíadas, pois Paris será sede dos jogos em 2024! Perfeito cenário para nossa matéria… Bon appétit!  

L'Art

La Science

Arte e Ciência

No Hôtel de Ville temos duas esculturas muito significativas para nossa matéria: a da esquerda chama-se “A Arte” e a da direita “A Ciência” do escultor Jules Blanchard. Como Paris acima de tudo representa, não queremos “só comer”, queremos Arte… e para tal contamos com todo nosso engenho e instinto de investigação, “A Ciência”… Combinadas essas duas áreas – essencialmente humanas – temos toda essa linda arquitetura e todos esses sabores e texturas que só estudo, inteligência e propenção para o belo poderiam proporcionar. Ao ser humano não basta comer só para sobreviver, não basta uma construção arquitetônica só funcional, ou uma roupa só para proteger do clima… Paris é nosso símbolo maior da procura pelo realmente viver.  

Itália

Panis Quadratus – Pão da Roma Antiga

São 7:48 horas da manhã e o Sol está nascendo em Roma na Itália. Em Brasília são 2:48 horas da madrugada. Quando pensamos em Roma muitas vezes pensamos em coisas bem antigas, em todo o poder do Império Romano e seus rastros espalhados por toda Itália e Europa. Pensando nisso, o pão escolhido para provarmos é o Panis Quadratus, o pão mais popular por aqui há 2.000 anos, para nossa viagem ser também no tempo e não só espacial. A cidade de Pompéia foi devastada no ano de 79 D.C. por uma erupção do vulcão Vesúvio deixando para a posteridade um impressionante sítio arqueológico intacto a céu aberto, onde podemos ver até corpos carbonizados de crianças e adultos que lá viviam. Entre essas relíquias estão exemplares carbonizados perfeitos do Panis Quadratus como podemos ver na foto abaixo.

Por que ele se chama Quadratus se ele é redondo? Porque são feitas 4 linhas lineares que dividem o pão em 8 segmentos de igual tamanho. Chefs italianos e até o British Museum se empenharam em recriar o pão e hoje podemos não só ver como ele era, mas saboreá-lo. Uma viagem no tempo em nossas viagens pelo mundo, em cidades milenares, nos faz ver também que não erámos tão diferentes assim e que não importa o quão moderno seja o nosso tempo, o pão vai sempre permanecer. O mundo virtual dos computadores de nossa era é deslumbrante, mas não tem gosto… ainda queremos o mesmo sabor, quentinho, do cidadão romano do ano zero. 

Pão de 2000 anos atrás Roma - Itália

Espanha

O Pão mais Caro do Mundo

São 8:32 horas da manhã e o Sol está nascendo na região de Málaga na Espanha. Em Brasília são 3:32 horas da madrugada. Aqui decidimos esbanjar! A vida passa rápido e é necessário aproveitar o momento que não volta mais. Vamos experimentar o pão mais caro do mundo. Criado pelo chef Juan Moreno da Panaderia Pan Piña, o pão leva em seus ingredientes ouro e prata em duas formas: flocos e pó.  Demora 18 horas para Juan fazer cada pão. Custa €1480 euros cada um, mas não se pode ficar preocupado em gastar demais em uma hora dessas. Entregue-se, entregue o cartão e sinta o sabor.  Se você está “pão duro”, “mão de vaca” e não quer se deixar levar nesse momento único, ainda sim existem outros 400 tipos de pão na padaria de Juan, com preços normais. Tente o Pan de Cruz de Ciudad Real , Pan de Alfacar, Mollet, Pan de Cea, Talo, Pan de Barra e o Coca. Talvez você julgue estúpida e fútil essa nossa parada para comer um pão de ouro. O pão – a coisa mais simples, comum e que nos une a todos, que todos podem ter – profanada com descabida ostentação que poucos terão acesso e que talvez nem diferença faça no sabor. Aqui vai um olhar mais poético, de  curtir a vontade infinita do ser humano – às vezes infantil e desorientada – de criar algo especial, de ter momentos únicos, mágicos, e de não só comer para sobrevivência… Para nós, “viver”, realmente viver, é muito mais do que uma ocorrência aleatória, evanescente e sem sentido do universo. Vivemos para emoldurar momentos especiais, torná-los eternos… momentos que para nós valem mais que ouro. 

Pão de Ouro Espanha

Portugal

Oportunidade para Conhecer o Pão Português

São 7:52 horas da manhã e o Sol está nascendo em Lisboa. Em Brasília são 3:28 horas da manhã. Quando o brasileiro pensa em pão ele pensa em um português porque sempre foram os principais donos de padarias e pioneiros no desenvolvimento do pão em terras tupiniquins. Todavia, engana-se quem acha que conhecemos os pães portugueses legítimos. Apesar de serem eles,  os portugueses, responsáveis pelo nosso amor ao pão, no Brasil eles ganharam novas receitas e variações, afastando-se dos originais. E é por isso que vamos aproveitar nosso nascer do Sol em terras lusitanas para provar os inúmeros e maravilhosos pães portugueses como eram e como são realmente. Em nossa mesa encontramos o Pão Bola D’ Água, o Alentejano, o Mafra, o Mealhada, o Trigamilha, o de Caco, o de Azeite, o Frapinha. a Broa e o Pão de Quarto. Só pelos nomes você já reconhece que realmente não conhecia os pães portugueses e tem agora mais um universo a explorar.      

Pastel de Nata Patrimônio Português

Tribo Afar

Pão Assado com Pedra Quente

São 6:14 horas da manhã e o Sol está nascendo para a tribo Afar. Em Brasília são 00:14 da madrugada. Você me pergunta que país é esse que estamos agora e eu te respondo que é uma etnia que não tem um país definido. Existem milhares de etnias no planeta que estão dentro de países reconhecidos, mas que não pertencem a eles. Os Afar são um povo nômade e estão ora na Etiópia, ora em Eritréia ou ora em Djibouti (estes sim, países oficiais). Imagine o que é ser um povo que caminha, que não tem lugar definido e não tem um país definido no mapa. Uma viagem ao mundo não pode ser só por países reconhecidos, mas também por entre tradições milenares que possuem uma distinção clara que deve ser celebrada. Nosso planeta é ainda mais rico do que só países do mapa… Nossa viagem não pode ficar presa a linhas arbitrárias da geografia humana. Ainda sim, os Afar tem uma bandeira, a que vocês podem ver aí acima.  Habitam, ou se deslocam, na região mais quente e seca do planeta onde a temperatura média é de 50 graus celsius. E o pão está sempre presente… Costumam assá-lo colocando uma pedra quente dentro da massa. Esse é o pão que vamos provar… Com uma peculiaridade intrigante, os Afar serram os dentes para que todos fiquem pontiagudos como os caninos. Você os vê comendo e se pergunta se isso facilita mastigar o pão. Apesar de você amar o pão deles, e ser um gigantesco elo entre nós, nunca saberemos exatamente o que é ser um Afar e eles jamais saberão o que exatamente é ser brasileiro… Esse mistério mútuo aliado ao oposto, a cumplicidade comum de repartir o pão, cria todo a magia de mais um nascer do sol para nós. Muitos Afar têm pele escura e olhos claros, um contraste belíssimo… Uma mulher da tribo pergunta se você quer que ela lhe serre os dentes. Você agradece, mas sua curiosidade não é grande o suficiente. Vaidoso, teme tornar-se menos atrativo na sua própria aldeia quando voltar. Eficiência ou não dos dentes é de menor relevância…

Sahara Marroquino

Pão de Areia

São 7:40 horas da manhã e o Sol está nascendo no Deserto do Saara marroquino. Em Brasília são 3:40 da madrugada. Está frio, exatamente zero grau para ser preciso, mas a temperatura vai se elevar rapidamente podendo chegar a mais de 50 graus celsius. O deserto tem esse absurdo contraste de temperatura da noite para o dia. Estamos sentados junto a um homem que está sovando a massa do pão que vamos provar aqui. Não existe nada além de nós em um raio de quilômetros. Não há edifícios, construções e nem mesmo tendas. Só areia por toda parte.  Você não vê forno algum à vista então imagina que o pão vai ser frito em uma fogueira. Mas não… O forno para o homem do deserto é embaixo da areia. Com a massa já pronta, você olha estupefato nosso chef enterrar o pão sem nada que o envolva. Como vamos comer essa coisa cheia de areia?

Quando o pão fica pronto você olha assustado o homem batendo nele para tirar os milhares de grãos de areia grudados. “Não é possível que isso seja “comível” é a frase que não para de soar em sua cabeça. Com medo de fazer uma terrível desfeita, menospresar um trabalho aparentemente tão sério, abnegado e apaixonado, você prova… E percebe que não sente um grão de areia, mas apenas um pão quentinho, gostoso e único. Ninguém no planeta fica sem seu pão… não importa onde seja, vamos dar um jeito… E condições mais limitandes ou precárias geram novos sabores e opções.  Sempre foi assim… Uma metáfora para momentos da vida que parecem precários ou áridos, mas que nos levam a novidades fascinantes e só possíveis por meio desse caminho específico. Se a vida nos dá um limão, fazemos uma limonada… Se nos dá um deserto, usamos ele de forno…  

Pão de Areia Deserto do Saara

Islândia

Pão Assado no Vulcão

São 8:36 horas da manhã e o Sol está nascendo em Reykjavík, capital da Islândia. Em Brasília são 5:36 horas. Existem 32 vulcões ativos no país, o solo mais instável do planeta! Contudo, você está com muito frio, pois só encontramos gelo e neve por toda parte. Você tira mais um casaco da mala para vestir… Chamam a Islândia de o lugar onde o gelo encontra o fogo. Vemos enormes jatos de fumaça ganhando o céu que nascem justamente desses choques do muito quente ao muito frio. Lava encontra neve… Você já desconfia que o pão que provaremos aqui no nosso novo nascer do Sol tem a ver com essa dinâmica… E de fato, o pão de lava, ou pão de vulcão, será o nosso pãozinho aqui…  O Monte Fagradalsfjall pertence ao sistema vulcânico Krysuvik, que será o nosso forno natural, onde assaremos nossa massa. Sempre existe água fervendo na Islândia, basta cavar com todo cuidado em uma região próxima a um vulcão. Diferentemente do que fizemos no deserto, aqui não vamos enterrar o pão direto, mas sim, dentro de uma panela. Como não temos tempo – logo partiremos para acompanhar o Sol em outro nascer, em outro país – alguém já fez por nós. A massa precisa ficar 24 horas embaixo da terra para assar e ficar na textura ideal. Enterrada no nascer do Sol de ontem, podemos agora desenterrar no novo nascer de hoje. O pão é delicioso, com uma esponjosidade incrível, com leve sabor de caramelo proporcionado pelo syrup dourado que faz parte da receita. Essa necessidade de 24 horas para fazer esse pão específico, nos faz refletir sobre a beleza que só o ser humano tem que é o adiamento do prazer no tempo… Todos os seres são imediatistas, querem a recompensa imediata pelo que acabaram de fazer. Mas nós descobrimos que diferentes tempos proporcionam diferentes variedades e como amamos sabores únicos e novos, temos a paciência de esperar… Esperar a hora que atinge um tal sabor… Farinha, água e sal e tempo… Naquela certa temperatura, por aquele número específico de horas, minutos ou dias, só assim vamos receber aquele sabor… Que espécie de calor é esse que vem do solo próximo a um vulcão? Qual o sabor do pão da Islândia que uma ou muitas pessoas foram descobrindo aos poucos, com muita paciência e hoje tenho aqui fácil para mim? Saboreando mais esse pão único, nos vem a gratidão e reverência pela paciência e pelo senso de experimento e aventura humano. Um brinde à beira do vulcão com pão de lava, um brinde ao tempo de espera… Vemos o padeiro já enterrando a panela que será desenterrada no nascer do Sol de amanhã. O ciclo da vida continua! 

Pão de Lava Islândia

Brasil

Pão de Queijo – Paixão Nacional (e Mundial)!

São 5:15 horas da manhã e o Sol está nascendo no Rio de Janeiro! Finalmente chegamos ao Brasil. Aqui comeremos o nosso pão mais famoso no mundo: o nosso querido pão de queijo. E apesar de ser um produto de origem mineira, vamos comer em Copacabana, só para evidenciar como amamos a diversidade e mescla de tudo com tudo. Nenhum hotel brasileiro pode ficar sem pão de queijo em seu café da manhã. Nem o poderoso criador de modas Rio de Janeiro! Não existe essa possibilidade…

E espalhamos essa paixão pelo mundo… Há uma fábrica na Suíça que produz, por mês, 360 mil pães de queijo. Esse produto tão típico do Brasil ganhou ingredientes locais de lá, como o queijo gruyère e essa é a graça da miscigenação das comidas. Eles já possuem 400 pontos de venda país afora. Isso só na Suiça que é um país pequeno. A receita surgiu no Brasil no período da escravidão, a partir da junção dos ovos e do leite, heranças dos portugueses, com a mandioca, até então considerada o pão dos índios nativos. Nessa mistura ia também sobras de queijo, normalmente intenso e encarregado de dar sabor à massa. Mais um exemplo da riqueza ocasionada pelo encontro de culturas diferentes, criando uma nova. Comer esse pão aqui em Copacabana carrega tudo isso… E a beleza do Rio ao redor já altera algo nesse sabor… E a sua companhia aqui comigo também… Ficaríamos séculos para agradecer a todos os envolvidos na construção desse singelo momento: comer um pão de queijo em Copacabana ao nascer do Sol.  

São Paulo

Padarias Sensacionais

Não tem como estar falando de pão e seguir em frente em nossa viagem saindo do Brasil sem antes passar pela cidade de São Paulo. Paulistas ficam surpresos ao visitar padarias ao redor do mundo pelo seguinte: não chegam aos pés das que existem aqui. Paulistas são mal acostumados e ficam decepcionados em padarias de Paris ou Roma.  A infinita variedade e qualidade dos pães e doces aqui é impressionante. Uma cidade praticamente fundada por padeiros que mostraram o valor de acordar cedo, batalhar e empreender… Um brinde ao lugar onde a padaria tornou-se épica! Resolvemos fazer esse brinde aqui com um bauru, sanduíche típico do estado de São Paulo que tem uma história curisosa: um estudante de direito da Faculdade São Francisco entrou na tradicional lanchonete Ponto Chic em 1934 e orientou o cozinheiro a fazer um sanduíche como ele queria, que não existia no cardápio. Virou um hit na lanchonete e posteriormente se alastrou por toda cidade e estado, tornando-se obsessão na cidade de Bauru, que adotou o sanduíche e registrou com seu nome devido a popularidade por lá. Falamos muito aqui de movimentos culturais longos, que vem de passados longínquos e que precisaram de muita gente para chegar a um tal resultado. Aqui vamos brindar o contrário, um efeito pontual e solitário de uma só pessoa que ao chegar em uma lanchonete e fazer algo de sua cabeça, causou, sem intenção, uma nova variedade que nunca mais desapareceu. O poder de um homem só não pode ser desconsiderado… Crie o seu em cima das tradições… Somos bilhões e somos também um só. Viva o Bauru…  

Especial para nossa matéria

O Padre José Bizon da Arquidiocese de São Paulo nos envia essa linda imagem onde ele e seu grupo preparam pães para distribuir a moradores de rua da cidade… O pão é um símbolo muito importante para o cristianismo e não poderia ficar fora dessa matéria de alguma forma. O padre é diferenciado e cabe muito bem nessa matéria por seu ecumenismo. Reconhece as diferentes formas de fé e procura sempre mostrar como somos uma só tribo mundo afora. Em seu livro “Diálogos”, organizado com o rabino Michel Schlesinger, os capítulos foram redigidos por religiosos de diversas fés, incluindo católicos, judeus, muçulmanos, afrodiaspóricos e budistas. A tese central é que o diálogo bem desenvolvido nos leva a compreender o outro, nos enxergar no outro, ver a ele e a nós mesmos melhor. O padre já convidou expoentes da doutrina espírita, líderes indígenas, budistas e o que pudermos imaginar para falar com seus próprios alunos, para honrar, entender e procurar os pontos de convergência entre todos nós. O diálogo faz parte de repartir o pão, em nutrir e ser nutrido por nossas diferenças e semelhanças, o tema dessa matéria.  

Paraguai

Chipa – Conquistou o Brasil

São 6:10 horas da manhã e o Sol está nascendo no nosso vizinho Paraguai! O pão que vamos comer por aqui é a Chipa e escolhemos degustá-la no interior do país, em um lugar bem típico e rural, assado em um tradicional forno de barro.  Pouca gente sabe que a chipa, que é hoje sucesso nas padarias brasileiras é uma receita paraguaia. Por lá se escreve Chipá, dando ênfase no “á”. O estado em que é mais facilmente encontrado é o Mato Grosso do Sul, por uma questão histórica. Na época da Guerra do Paraguai, muitos paraguaios vieram atrás de abrigo e segurança para o Brasil. E o local escolhido foi no estado que compõe o centro-oeste do país. Junto com eles, trouxeram na bagagem sua cultura. A chipa original é feita no Tatakua, um forno de barro bem grande muito usado no interior do Paraguai, e pelo tamanho é possível fazer várias chipas ao mesmo tempo, por isso virou uma tradição da Semana Santa. Nele também fica um gostinho diferente, bem mais gostoso do que quando feito em um forno convencional!

Equador

Pão para os Mortos

São 5:54 horas da manhã e o Sol está nascendo em Quito no Equador. Em Brasília são 7:54 da manhã. Toda essa matéria tem a ver com palavra “companhia”, o “com panis” que vocês já sabem. Para os povos andinos e em especial o equatoriano, os mortos ainda estão vivos, apenas em um plano diferente do nosso, mas podem ser contactados, invocados, e, portanto,  podemos ter a “companhia” deles e partilhar o pão. Não vamos ficar só entre os vivos em nossa matéria, mas também com todos os comedores de pão já falecidos. É justamente para isso que existe o tradicional T’anta Wawa , ou Guaguas de Pan, que é um pão feito para compartilhar com os mortos. “Guagua” quer dizer “pequena criança” e esses pães são dempre feitos em formato de uma criança. Por que uma criança? Acredita-se que depois de morto a pessoa recupere sua inocência, uma crença que mistura a cultura católica dos colonizadores com a indígena original do local. Na companhia de nossos mortos mais íntimos e saudosos, provamos esse pãozinho colorido, doce e gostoso. Não tenha medo dessa companhia… Muitas vezes bate aquela saudade na hora de comer, de alguém que já repartiu tantas vezes uma refeição conosco, mas já não está mais aqui… Essa saudade já é a companhia. De alguma forma ela está presente. E o amor é ainda mais puro e inocente – como esses pãezinhos T’anta Wawa – livre das tolas desavenças cotidianas que camuflavam o tamanho do sentimento. 

  

Argentina

Comendo o Inimigo

São 5:54 horas da manhã e o Sol está nascendo em Buenos Aires na Argentina. Em Brasília são 7:54 da manhã. Conhecida mundialmente pela qualidade dos seus produtos derivados do trigo, a Argentina é o melhor lugar quando o assunto é café da manhã. A medialuna, popularmente conhecida no Brasil como um croissant doce, é uma das receitas preferidas nas refeições matinais do país. Conhecendo a história desse pão delicioso vamos ver o quanto a coisa rodou até se transformar em algo típico argentino. Esta delícia foi criada por volta de 1683, em Viena, na Áustria. Ná época, os padeiros de Viena, por serem os últimos a dormir para deixar os pães frescos nas mesas, evitaram uma invasão do império Otomano (turcos) na Áustria. Como recompensa, os padeiros poderiam criar uma gastronomia que comemorasse a vitória sobre o inimigo e decidiram criar uns pãezinhos folhados em forma de meia-lua, símbolo representado na bandeira turca. Assim, os vienenses tiveram a oportunidade de, ao comer este pão, destruir o símbolo dos inimigos. Portanto, esse delicioso pão representava um ato saboroso de vitória e provocação. 

Especial para nossa matéria

Fernanda Pasquale participa de nosso brinde e nos acalora com sua companhia direto de Buenos Aires – onde passa as férias – com um delicioso Medialuna, direto da fonte. Morando nos Estados Unidos há muitos anos, essa brasileira de sucesso na área de marketing internacional ainda criou a bakery Pangea na cidade de Columbus, Ohio, durante a pandemia, por um ato de amor ao perceber a dificuldade das pessoas em encontrar um pão fresquinho. Americanos e pessoas de diversas nacionalidades que ali residem tiveram o privilégio de provar nosso amado pão de queijo entre muitas outras maravilhas que saíam do forno de Fernanda. Muita união , “companhia à distâcia”, surgiu desse isolamento forçado que tivemos que passar. O  “com panis” aconteceu de uma forma bonita e diferente. Sentimos a saudade do outro e de certa forma entendemos mais do que nunca como a companhia aquece nosso coração. Não poderíamos deixar de citar a pandemia em um artigo sobre companhia. Fernanda e sua profissão que a fez viajar o mundo, na linda tarefa de negociar com diferentes povos e culturas, casa perfeitamente com nosso artigo aqui. Uma das definições de marketing internacional é “criar a possibilidade de importar produtos não existentes no país”. Como vimos em nossa viagem do pão, e aqui com o próprio Medialuna, somos absolutamente viciados em importar e exportar, levar e trazer, e todo esse incessante movimento gera mais e mais riquezas por todo lugar.

Canadá

Bannock- Pão da Tribo Inuit

São 8:05 horas da manhã e o Sol está nascendo em Labrador no Canadá! Vamos comer o delicioso Bannock da tribo Inuit. Está muito frio por aqui, não esqueça seu casaco. Quando pensamos no Canadá, pensamos em modernidade, em colonização européia. Mas quase 2% da população canadense é formada por índios, nativos do continente. O Bannock é um pão com certa controvérsia, pois recebeu influência escocesa em sua produção. Apesar de já existir antes do contato, foram os europeus que os influenciaram a introduzir a farinha de trigo na receita. Antes era feito somente com plantas locais. Para os mais puristas, a cultura deles foi, portanto, infectada pelo homem branco. Ocorre que índios, brancos, negros, marcianos e venuisanos em geral amam o Bannock de paixão, não se importando se é ou não uma herança cultural intocada. Com donos indígenas, a rede de padarias Kekuli é prova disso, um sucesso por toda América do Norte, vendendo milhares de Bannocks diariamente para gente do mundo todo.  A mistura e expansão no mundo não tem fim. (Curiosidade: o cão Labrador tem esse nome por ter sua origem nessa cidade).     

Estados Unidos

Nova Iorque – O Mundo Todo em Um Só Lugar

São 7:17 horas da manhã e o Sol está nascendo em Nova Iorque! Difícil você encontrar uma lista dos 10 melhores lugares do mundo para comer sem que essa cidade esteja em primeiro ou pelo menos entre as primeiras posições. O motivo  – além da qualidade – é a absurda diversidade. É como se todos os cantos do mundo tivessem alguma representação na cidade. De imigrantes à grandes chefs do mundo todo que querem um ponto aqui, a cidade transborda cosmopolidade como nenhuma outra… Mas e Nova Iorque em si? Só reflete o mundo ou tem algo típico seu? Quando se fala em Nova Iorque todos pensam em Bagels, um pãozinho delicioso que parece um donut. Apesar de não ter sido criado aqui, é considerado o melhor do mundo e onde mais floresceu. Foi trazido por imigrantes judeus em 1800.  Dizem que uma das razões para a qualidade do Bagel ser tão boa está na água da cidade que tem baixas concentrações de cálcio e magnésio o que afeta o gluten, além da paciência e devoção com que é feito, com tempos de preparo e medidas super calibradas e precisas.

Os bagels são cozidos brevemente na água antes de assar. O orifício no meio acelera o processo de cozimento e aumenta a formação de crostas durante o cozimento. Os bagels, descobertos pela primeira vez em fontes judaicas em Cracóvia em 1610, provavelmente se originaram na Europa Central ou Oriental. No final do século XIX, eles foram introduzidos por imigrantes judeus da Europa Oriental nos EUA e no Canadá, onde faziam parte da dieta desde a década de 1970, de onde se espalharam mundialmente como um assado americano típico. Olhar através de um Bagel para a história de uma cidade tão multi-cultural como Nova Iorque… E entender como é difícil dizer se algo é típico de um lugar, se é legítimo, se é embuste, se é algo que viaja sem parar e se transforma… Mundos dentro de mundos. Influências de influências de influências… Espelhos em frente a espelhos, vertigem de infinitos de variação de uma origem em comum perdida no tempo.         

Bagel - Nova Iorque Obsession

Los Angeles

Museu de História Natural de Los Angeles celebra a história da cidade através das lentes do Pão em 2022   

São 7:15 horas da manhã e o Sol está nascendo em Los Angeles! Em Brasília são 3:15 da madrugada. Podemos dizer que a Califórnia é o último grande estado a receber o Sol no mundo. Ainda vamos para mais um lugar que esse sim será o último, mas como megalópole, Los Angeles é a última… Aqui nos deparamos com uma linda exposição do Museu de História Natural de L.A. que fez uma importante e profunda pesquisa da história da cidade através de seus padeiros, ou como colocaram em seu título “pelas lentes do pão” Kneaded: L.A. Bread Stories, celebrates L.A. history, heritage, and communities through the lens of bread. É lindo conhecer as milhares de histórias de gente do mundo todo que trouxe as mais diferentes receitas de seus países de origem, seja em uma primeira geração de imigrantes ou por meio de pais e avós que foram passando para os filhos já nascidos na cidade seu modo de fazer pão. Fazer de suas heranças culturais um negócio rentável fez a cidade tornar-se muito mais rica e instigante. Como o caso de Asim Bharwani e sua família que vieram da Índia e tem o food truck Paratta que percorre a cidade levando os mais deliciosos pães indianos e também do Paquistão e de Bangladesh. Ou Kym Estrada que trouxe a comida vegana filipina… e infinitas outras incríveis histórias onde não só o pão é destaque, mas toda a história por trás daquela família, de como chegaram a Los Angeles, porque vieram e como foi a luta para se estabelecerem e viverem de seu produto. Como o pão também se tranforma, não é exatamente mais como no país de origem e nem é um produto do país de agora, se fala em pão de diáspora, substantivo feminino com origem no termo grego “diasporá”, que significa dispersão de povos. Lindo ver o museu empenhado em contar a história da cidade por esse viés. O pão é realmente uma força que nos une a todos. Na cidade do cinema, decidimos comer nosso pão onde está a palavra Hollywood, em Mount Lee, com uma vista do alto por toda Los Angeles. Trouxemos um piquenique com pães da Jamaica, do México, de Marrocos, da Índia e muitos mais. Até pão de queijo quentinho tem aqui na nossa cesta que compramos da Cafe Brasil, uma padaria brasileira em L.A.. Nenhum outro lugar levou tantos sonhos malucos para o mundo! De super heróis com super poderes a girafas que falam, de brinquedos que ganham vida a extraterrestres que nos invadem… Terror, suspense, romance, ficção científica, aventura, viagem no tempo… Não é a toa que nossos alimentos e em especial nossos pães e doces são tão variados, bonitos e divertidos. Nossa mente quer sempre o inusitado, a supresa, o sonho. Um brinde de pães a todo esse efervescente caldeirão cultural dessa cidade, que mistura sonho à realidade, realidade ao sonho e nos transporta constantemente para universos paralelos.          

         

Samoa Americana

O Último Lugar do Planeta a Receber o Sol

São 5:52 horas da manhã em Samoa e o Sol está nascendo pela última vez nesse dia em nosso planeta e para nossa volta. Em Brasília já são 14:52 horas do dia seguinte. Para nosso último pão escolhemos algo bem diferente, típico da ilha de Samoa. Como lá existem milhares de árvores de fruta-pão, desenvolveu-se um método muito eficaz de fazer farinha do fruto. O pão feito da farinha de fruta-pão é delicioso, e esse fruto é tido como o alimento do futuro. Se é ou não, só o futuro dirá. O que temos certeza é que o pão continuará sendo o alimento número um do passado e do futuro para o ser humano. Um caso de amor sem fim… Estamos emocionados com o fim de nossa jornada. Estamos mais unos com nosso planeta e por isso vamos partir agora para uma vista mais abrangente, na surpresa aí abaixo… Na próxima bandeira… Nossa jornada ainda não acabou!

Foguete ao redor da Terra

Um Pão Especial para Ausência de Gravidade 

Para quem não sabe, essa bandeira azul aí acima á bandeira oficial do Planeta Terra. Emoção…Estamos agora no espaço, em uma linda nave espacial orbitando a Terra. O Sol vai surgindo por detrás da grande esfera terrestre.  Podemos ver os continentes lá embaixo e o planeta é de um azul maravilhoso. Podemos refletir/relembrar com carinho a jornada de “24 horas de Pães” que acabamos de finalizar. Nessa perspectiva, nesse ponto de vista espacial, o amor por nossa casa/planeta parece ainda maior. Você está emocionado e flutuando com a falta de gravidade do cubículo da nave em que estamos e do nada tira um croissant da bolsa, que guardou de nossa passagem por Paris! Quer brindar o momento sublime com nosso símbolo maior de união… Eu desesperado dou um salto mortal para arrancá-lo de sua mão e jogá-lo no lixo de ar comprimido ali do lado, que o suga vorazmente.  Você me olha com raiva ante meu ato insólito e serra os punhos querendo briga.  Explico que os pães foram banidos das viagens espaciais desde 1965  quando na missão Gemini III o astronauta John Young quase matou todo mundo ao tirar um sanduíche do bolso e começar a comê-lo… Com a falta de gravidade as migalhas dos pães se tornam mortais, se espalhando pelas frestas dos equipamentos e entradas de ar da nave, podendo causar incêndios e avarias incontornáveis. Com você mais calmo, tendo entendido meu ato, te trago o único pão que podemos comer no espaço, desenvolvido pela companhia alemã “Bake in Space“, um pão que não produz migalhas… Os alemães são tão apaixonados por pães que o maior problema de estar no espaço é ter que ficar sem eles. Milhões foram investidos para sanar essa desgraça sideral.

Podemos agora em paz observar o nascer do Sol no espaço comendo um pãozinho que não produz migalhas… Lá estão, naquela bola azul, todos os queridos comedores de pão, todos fazendo companhia uns aos outros na jornada terrestre.

Marte

Investimento Bilionário para Assar Pão em Marte

Se você achou que isso é uma brincadeira ou uma licença poética, se enganou. Uma empresa belga está em uma obstinada missão de fazer pão em Marte. A proposta está sendo testada e desenvolvida pela multinacional Puratos em containers que simulam as condições do planeta vermelho. Com investimento da ordem de 7 bilhões de euros, o projeto nomeado “Space Bakery”, conta com o apoio do governo belga e outras seis grandes instituições. Por enquanto, a empresa ainda não conseguiu tirar um ‘paõzinho’ do forno, mas o experimento também pode ajudar no desenvolvimento de técnicas mais sustentáveis para o cultivo do trigo no planeta Terra… Pois é, e nossa matéria termina assim, na certeza de que não importa para quão longe nós humano formos, o pão vai com a gente… Um dia veremos o Sol nascer no planeta vermelho comendo um pão quentinho… 

Considerações finais e despedida

      “Existe algo de profundamente prazeroso e misterioso sobre repartir uma refeição. Comer juntos, repartir o pão, é uma das mais antigas e fundamentais experiências humanas, algo que define nossa espécie” frase da escritora Barbara Coloroso. Por que comer sozinho tem tão menos sabor do que com uma boa companhia? E por que não basta só a companhia de alguém? Ainda temos que comer algo juntos? Que ritual mágico é esse? Hoje tivemos a companhia de gente por todo esse planeta, repartimos o pão que é o símbolo maior de união e do nosso desejo pela alteridade, de estar acompanhado. Somos o bicho social, que se beneficia de séculos de acúmulo de experimentos e experiências. Estamos acompanhados não só de quem está ali a nossa frente, mas de todas as gerações de gente em todos os cantos do mundo que influenciaram uns aos outros para chegar até aquele pão específico ali no seu prato…Ninguém fez/faz nada sozinho… arrastamos multidões étnicas, espaciais e temporais em cada passo… Somos sempre confluência de bilhões de seres que vivem e viveram… e sempre será assim. Obrigado pela sua companhia…

Um obrigado e boa noite a todos que nos fizeram companhia nessa volta de 24 horas… Desejamos uma vida de pão, ou seja, repleta de infinitas e saborosas variações, com ótimas companhias!